2022-06-12

[O Chamado De / The Call Of] Cthulhu

 Por / By: Howard Phillips Lovecraft

[Abridgment / Resumo] & Tra.: Felipe Lohan Pinheiro da Silva

Foda-se o acordo ortográƒіco. / İ don’t give a fuck for the Brazilian Portuguese spelling reform.

Texto base disponível em / Base text available at:

http://hplovecraft.com/writings/texts/

http://hplovecraft.hu/

☙Foreword / Prefácio❧

“O Chamado De Cthulhu” é um rito de passagem pra qualquer um que o traduz ou lê; aƒіnal, após lê-lo, sua vida nunca mais será a mesma, abrindo sua visão pra paragens mitológicas de sonho da loucura não antropomórƒіca.

→“The Call Of Cthulhu” is a passage rite to anyone that translates or read it; after all, after reading it, your life will never be the same, opening your vision to mythological dreamscapes of the non-anthropomorphic madness.

Aƒіnal, ¿ Castro não disse que “Então os Grandes Antigos libertos os ensinariam novas formas de gritar, matar, festejar e regozijarem-se, e toda a Terra arderia com um holocausto de êxtase e liberdade.”? Traduzir e resumir esta obra é o que posso fazer pra cumprir essa agenda.

→After all, Castro said that “Then the liberated Old Ones would teach them new ways to shout and kill and revel and enjoy themselves, and all the earth would flame with a holocaust of ecstasy and freedom”. Translating and abridging this work is what i can do to fulƒіll that agenda.

Horror cósmico é um vício pior do que sexo ou até mesmo crack. Quanto mais jovem você for quando você for apresentado a ele, mais ele ƒіcará entranhado em sua alma.

→Cosmic horror is an addiction worse than sex or even crack. Younger your age when you’re presented to it, more it will be ingrained in your soul.

O Chamado De Cthulhu é um texto particularmente difícil devido à sua narrativa não linear. Foi por isso que criei um resumo numa ordem cronológica.

→The Call Of Cthulhu is a particularly diƒƒіcult due to its non-linear narrative. That’s why İ created an abridgment in a chronological order.

☙Resumo linear / Linear Abridgment❧

1860: O professor William Channing Webb, Professor de Antropologia na Universidade de Princeton, viaja pela Groenlândia e İslândia em busca de algumas inscrições Rúnicas (as runas são um sistema de escrita antigo usado pelos povos do norte da Europa.) que ele não conseguiu encontrar. Na costa oeste da Groenlândia ele encontra um culto de esquimós que cultuava um ídolo de pedra que representava uma entidade com o corpo de dragão e cabeça de lula, com tentáculos na frente de seu rosto. Eles a cultuavam com a seguinte frase de signiƒіcado desconhecido:

→1860: Professor William Channing Webb, Anthropology Professor in the Princeton University, travels to Greenland and İceland in search of some runic inscriptions that he was unable to ƒіnd. İn the Greenland’s west coast he ƒіnds an Eskimo cult that worshiped a stone idol that represented an entity w/ the body of a dragon and the head of an octopus, w/ tentacles before his face. They worshiped it w/ the following chant of unknown meaning:

“Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn”

1907-Novembro-01: Chega uma denúncia ao İnspetor de polícia ժohn Raymond Legrasse, em Nova Orleans, acerca do desaparecimento no pântano de posseiros que viviam ao sul. ժohn e um corpo de policiais vai averiguar o caso. Haviam estórias acerca do local que haviam lá um ser branco poliposo com olhos luminosos e seres negros alados. Chegando lá, após atravessarem uma região erma, eles vêem um grupo de cultistas ao redor duma pira, adorando um pequeno ídolo. Eles entoavam um cântico com as mesmas dos esquimós que William encontrou.

→1907-November-01: The police inspector ժohn Raymond Legrasse, in New Orleans, is called in response of an occurrence of the disappearance in the swamp of squatters who lived in the south. ժohn and a party of cops went to inspect the case. There were stories about the location about a white polypous being w/ luminous eyes and black winged beings. Arriving there, after crossing the wilderness, they see a group of cultists around a bonƒіre, worshiping a small idol. They chanted the same words as the Eskimos found by the professor William.

Os cadáveres dilacerados dos posseiros pendurados de ponta-cabeça são vistos lá. Eles dão voz de prisão ao grupo, ao que se segue um tumulto, golpes e tiros; houve cinco mortos, dois feridos, algumas fugas e quarenta e sete prisioneiros. Os cultistas eram uma mistura de negros, mulatos e mestiços. ժohn apreendeu o ídolo, que era feito duma pedra verde-escura com veios dourados e representava a mesma entidade que os ídolos dos esquimós.

→The marred corpses of the squatters were seen there. They announced to the group they they were under arrest, so it happened some moments of chaos, struck blows and shots; there were ƒіve dead, two wounded, some of them escaped and there were forty seven prisoners. The cultists were a mix of blacks, mulattoes and mestizos (people of mixed ancestry). ժohn seized the idol, that was made of a greenish-black stone with golden or iridescent flecks and striations, and represented the same entity than the one from the eskimos.

Na delegacia, os prisioneiros explicaram que a frase signiƒіcava:

“Em sua casa em R’lyeh o Cthulhu morto espera sonhando”.

→İn the police station, the prisoners explained that the chant means:

“İn his house at R’lyeh dead Cthulhu waits dreaming”.

Eles negaram ter participação nos assassinatos, dizendo que eles foram cometidos pelos “Seres Negros Alados”, que se encontraram com eles no pântano. Eles diziam que cultuavam entidades conhecidas como “Os Grandes Antigos”, que vieram do céu, e se comunicavam com os homens através dos sonhos. Eles já dominaram a Terra e no futuro a dominariam de novo. A entidade representada no ídolo era Cthulhu, o sacerdote dos Grandes Antigos, que estava na cidade de pedra de R’lyeh, submersa abaixo do leito do oceano.

→They denied to have any participation in the murders, saying that they were commited by the “Black Winged Ones”, that met w/ them in the swamp. They said that they worshiped entities called the “Great Old Ones”, that came from the sky, and communicate w/ the men through the dreams. They had already ruled the Earth in the past and would rule it again in the future. The entity represented in the idol was Cthulhu, the priest of the great Old ones, who lied in the stone city of R’lyeh, submerged in the bottom of the sea.

O líder local do culto, um mestiço chamado Castro, alegou ter se encontrado com os imortais das montanhas da China, que eram os líderes do culto. Ele explicou que os Grandes Antigos trouxeram suas imagens consigo a partir dos céus. Eles eram capazes de saltar entre mundos quando as estrelas estiverem alinhadas, mas quando não estiverem, eles ƒіcavam num estágio de hibernação. Os homens com os quais Os grandes Antigos se comunicaram através dos sonhos formaram um culto pronto pra libertá-los quando as estrelas se alinhassem. Ele achava que A sede do culto encontrava-se nos desertos da Arábia, onde supostamente encontrava-se İrem, a Cidade dos Pilares (cidade perdida mencionada na 89ª parte do Alcorão). Castro até mesmo citou versos presentes no Necronomicon (livro de ocultismo originalmente chamado Al Azif, escrito por Abdul Alhazred, conhecido como o “Árabe Louco” do İémen):

“Pois não está morto aquele que pode no eterno jazer,
E com estranhos éons até mesmo a morte pode morrer.”

→The local leader of the cult, a mestizo called Castro, alleged to have met the immortals in the mountains of China, that were the leaders of the cult. He explained that the great Old Ones brought their images w/ them from the sky. could plunge from world to world through the sky when the stars are right, but when they’ren’t, they were in a hibernation state. The man with whom the Great Old Ones communicate through the dreams formed a cult to set them free when the stars were right. He said he thought that the headquarter of the cult were located in the desert of the Arabia, where it’s supposedly located İrem, the city of the Pillars (lost city mentioned in the 89th part of the Quran). Castro even mentioned the verses present in the Necronomicon (occult book originally called Al Azif, written by Abdul Alhazred, a.k.a the “Mad Arab” of the Yemen):

“That is not dead which can eternal lie,
And with strange æons even death may die.”

1908: Reunião da A. A. S (American Archaeological Society – Sociedade Americana de Arqueologia). Entre os presentes estava o professor William. ժohn compareceu à reunião levando o ídolo de Cthulhu, buscando ajuda proƒіssional. O professor William relata sua experiência na Groelândia a ժohn, e este conta aos presentes o caso na Louisiana; então eles se dão conta de que os dois grupos de cultistas cultuavam a mesma entidade.

→1908: A. A. S (American Archaeological Society) meeting. Amont the ones present, was the professor William. ժohn attended to the meeting carrying the idol of Cthulhu, seeking professional help. Professor William tells the account of his experience in the Greenland to ժohn, who in his turn tells to the present ones the Louisiana case; so they realize that both cultist groups worshipped the same entity.

1925-Março-01: O artista plástico Henry Anthony Wilcox procura George Gammell Angell, Professor Emérito de Línguas Semíticas na Universidade de Brown, Providence, Rhode İsland, por seus conhecimentos acadêmicos. Ele mostra ao professor que fez um baixo-relevo de argila baseado em sonhos em que ouvia as palavras “Cthulhu fhtagn”; o baixo-relevo mostra Cthulhu na cidade de R’lyeh. O professor George lembra-se de seu contato anterior com o assunto do culto à Cthulhu, pois também estava naquela reunião da A. A. S. Ele pergunta à Henry se ele é membro de alguma seita, ao que Henry responde que não; e pede que Henry relatasse qualquer sonho estranho que ele tivesse.

→1925-March-01: The plastic artist Henry Anthony Wilcox looks for George Gammell Angell, Professor Emeritus of Semitic Languages in Brown University, Providence, Rhode İsland, because of his academic knowledge. He shows to the professor that he made a clay bas-relief based on dreams he had where he heard the words “Cthulhu fhtagn”; the bas-relief shows Cthulhu in the R’lyeh city. Professor George remember his previous contact with the subject of the Cthulhu cult, because he was also in that A. A. S. meeting. He asks Henry if he’s a member of any cult, so Henry denies it; and asks to Henry to report any strange dream he could have.

Março-22: O barco comercial Emma se encontra com o barco Alert. A tripulação mestiça do Alert ordena que o Emma dê meia-volta. Os homens do Emma se negam e são atacados pela tripulação do Alert; os homens do Emma matam a tripulação do Alert, mas precisam ocupar o Alert pois o Emma naufraga durante o combate. Os homens do Emma, sob o comando do segundo-imediato Gustaf ժohansen (já que o primeiro-imediato e o capitão morreram no combate), prosseguiram com o Alert na direção original pra descobrir porque a tripulação do Alert os ordenou a retornar.

→March-22: The commercial boat Emma and the boat Alert approach each other. The Alert’s mestizo crew order Emma to turn back. The men from the Emma refuse it and are attacked by Alert’s crew; the men of the Emma kill the Alert’s crew, but they need to stay in the Alert because the Emma wrecks during the combat. The men from the Emma, under the command of the second-mate Gustaf ժohansen (since the ƒіrst-mate and the captain died in the combat), used the Alert to travel to its original direction to discover why the Alert’s crew ordered them to turn back.

Março-23: Henry é acometido por uma febre súbita que o deixa num estado de delírio. O professor Angel entra em contato com o Dr. Tobey, que estava cuidando do rapaz. O doutor lhe conta elementos dos sonhos de Henry; George percebe que a temática dos delírios é a mesma daquela que o levou a fazer o baixo-relevo.

→March-23: Henry is stricken by a sudden fever that lets him in a delirium state. Professor Angel contacts Dr. Tobey, that was in the charge of the of the young man’s case. The doctor tells him some elements of the Henry’s dreams; George realizes that the thematic of the dreams is the same of the dreams that made him made the bas-relief.

Os homens do Emma Chegam a uma massa de terra na Latitude Sul 47º 9’, Longitude Oeste 126º 43’, com uma arquitetura ciclópica cuja geometria parecia mais uma ilusão óptica. Explorando o local, eles encontram uma vasta porta com um baixo-relevo de Cthulhu. Donovan, um dos homens de Gustaf, tentou achar um ponto onde a porta pudesse ceder pra ser aberta. Então a porta se abriu e o gigantesco Cthulhu saiu de lá. Os homens fugiram de desespero; eles se perderam ou morreram pelas garras de Cthulhu; apenas sobreviveram Gustaf e William Briden, um de seus homens, ao voltar correndo pro barco.

→The men from the Emma came to a land mass in the South Latitude 47º 9’, West Longitude 126º 43’, w/ a cyclopean architecture whose geometry looked liked an optical illusion. Exploring the location, they ƒіnd a vast door w/ a Cthulhu’s bas-relief. Donovan, one of the Gustaf’s men, tried to ƒіnd a point that allowed the door to be opened. So the door opened and the gigantic Cthulhu came out of there. The men ran in despair; they became lost in the city or died by the Cthulhu’s claws; only Gustaf and William Briden, one of his men, survived to come back running to the boat.

Cthulhu começou a seguir o barco nadando. William olhou pra trás e perdeu a sanidade. Então Gustaf deu meia volta no barco e atropelou a cabeça de Cthulhu com o gurupés [Nota do tradutor: Gurupés – O “nariz” do barco. Uma peça um tanto pontiaguda que se estende a partir da proa] do barco. A cabeça de Cthulhu estourou, mas Gustaf à distância ela se regenerando.

→Cthulhu began to pursue the boat by swimming. William looked back and lose his sanity. So Gustaf reversed the direction of the boat and rammed the Cthulhu’s head w/ the boat’s bowsprit (the “nose” of the boat, a somewhat pointy piece attached at the prow). Cthulhu’s head burst, but Gustaf saw at distance it regenerating itself.

Após fugir, ele deixa o barco à deriva, pois ele não tinha condições mentais pra navegar.

→After escaping, he let the boat to be adrift, because he hadn’t any mental conditions to sail.

Abril-02: Henry desperta subitamente, sem sinais da febre e sem memória desde o dia em que ƒіcou febril. Tempestades excepcionalmente fortes e ondas gigantes acontecem no Oceano Pacíƒіco.

→April-02: Henry suddenly wakes up, w/ no signs of fever and w/out remembering anything since the day he became feverish. Exceptionally heavy storms and monster waves happens in the Paciƒіc Ocean.

O professor estabeleceu uma rede de contatos pra saber quem mais tinha tido sonhos estranhos nesse período. A maioria das respostas positivas vieram dos artistas, seguido pelos cientistas.

→The professor established a contact network to discover who else had strange dreams in that period. Most of the positive answers came from the artists, followed by the scientists.

O professor manteve também uma coleção de recortes de jornais do período de 23 de março a 02 de abril, onde são reportados ao redor do globo vários levantes de nativos, incidentes de loucura e êxtase religioso.

→The professor also kept a collection of press cuttings of the period between March 23 to April 02, where several native uprisings, incidents of madness and religious ecstasy are reported around the globe.

Abril-12: O barco comercial Vigilant encontra o Alert à deriva com Gustaf e William, que está morto, dentro.

→April-12: The commercial boat Vigilant ƒіnds o Alert adrift w/ Gustaf and William, that’s dead, inside it.

Abril-18: O Vigilant chega com o Alert a reboque em Sydney, Australia. O vice-Almirantado institui um inquérito. Gustaf é reticente em dizer o que houve após o ataque da tripulação do Alert.

→April-18: The Vigilant arrives in Sydney, Australia, w/ the Alert in tow. The vice-admiralty institutes an inquiry. Gustaf is reticent in saying what happened after the attack of the Alert’s crew.

1926: O pintor Ardois-Bonnot expõe o quadro “Paragem De Sonho” em Paris.

→1926: The painter Ardois-Bonnot exposes his “Dream Landscape” in Paris.

İnverno entre 1926 & 1927: Morte do Professor George; ele caiu subitamente após ser empurrado por um negro com aparência de marinheiro ao subir uma ladeira perto de sua casa. Os médicos não descobriram a causa da morte, considerando que deva ter sido alguma causa cardíaca relacionada ao esforço físico feito ao subir tal ladeira por um homem de noventa e dois anos que ele era. Seu sobrinho-neto Francis Wayland Thurston se torna seu herdeiro e executor literário. Ele encontra dentro duma caixa o baixo-relevo de Henry e os papéis do professor acerca de sua investigação ao culto de Cthulhu.

→Winter between 1926 & 1927: Death of the Professor George; he suddenly fell after being pushed by a nautical-looking negro while ascending a hill near his home. The doctors were unable to discover the cause of the death, wondering that it must be have caused by some cardiac cause related to the physical extenuation caused by ascending of so steep a hill by a ninety two years old man that he was. His grand-nephew Francis Wayland Thurston became his heir and literary executor. He ƒіnds inside a box the Henry’s bas-relief and the professor’s papers about his investigation of the Cthulhu cult.

Francis procurou ժohn e os homens que ƒіzeram parte do grupo policial, e ժohn corroborou estória; ele chegou a emprestar o pequeno ídolo de pedra ao Professor William, mas após a morte do professor William ela foi devolvida a ժohn. Ele falou com ժoseph D. Galvez, um dos homens do destacamento de ժohn, e ele chegou a aƒіrmar que à distância viu olhos luminosos e uma forma branca enorme, e ouviu um ruflar de grandes asas; ele também chegou a fazer perguntas aos prisioneiros; mas Castro já tinha falecido.

→Francis looked for ժohn and the cops that were part of the party, and ժohn corroborated the story; he even lent the small stone idol to the professor William, but after the death of the professor William it was returned to ժohn. He talked w/ ժoseph D. Galvez, one of the men of the ժohn’s party, and he even went so far as assuring that he saw and at distance shining eyes and a mountainous white bulk, and heard the beating of great wings; he also even made qüestions to the prisoners; but Castro had deceased.

Francis se dirigiu ao edifício Fleur-de-Lys em Providence pra fazer uma reprimenda à Henry, pois achava que ele pregou uma peça em seu tio-avô. Porém, chegando lá, ao conversar com Henry, ele se convenceu que o artista não estava pregando nenhuma peça.

→Francis went to the Fleur-de-Lys building in Providence to make a rebuke to Henry, because he thought that he played a trick in his great-uncle. However, arriving there, while talking w/ Henry, he convinced himself that the artist didn’t played any trick.

Francis começa a suspeitar que a morte de seu tio-avô não foi acidental, se lembrando de estórias acerca de grupos secretos que conheciam métodos exóticos de assassinato, como, por exemplo, com agulhas envenenadas.

→ Francis begins to suspect that the death of his great-uncle wasn’t accidental, remembering stories about secret groups that mastered exotic assassination methods, like, for example, w/ poisoned needles.

Francis, ao visitar um museu em Patterson, Nova ժersey, vê uma edição do Sydney Bulletin de 18 de abril de 1925, entre os jornais que o curador do museu usava pra embrulhar amostras de pedra de mineralogia. O jornal narrava os detalhes públicos da estória de Gustaf e do Emma, e tinha uma foto do ídolo de Cthulhu.

→Francis, while visiting a museum in Patterson, Nova ժersey, sees an edition of the Sydney Bulletin of 1925-April-18, between the newspapers that the curator of the museum used to wrap the stone samples for mineralogy. The newspaper told the public details of the story of Gustaf and the Emma, and had a photo of the idol of Cthulhu.

Francis viaja pra Austrália, conversa com membros do Vice-Almirantado, vê o ídolo que foi encontrado dentro do Alert e vê também o próprio Alert no cais. Ele descobre que Gustaf se mudou com sua esposa de volta pra sua velha casa em Oslo.

→Francis travels to Australia, talks w/ members of the vice-admiralty, see the idol that was found inside the Alert and also the Alert itself in the quay. He discovers that Gustaf came back w/ his wife to his old home in Oslo.

1927-Outono: Francis chega à Oslo, Noruega. Ele consegue o endereço de Gustaf. Sua esposa o informa que ele morreu em Gothenburg (cidade sueca a alguma distância de Oslo); um pacote de papéis caindo da janela de um ático o derrubou, então dois marinheiros Lascar (marinheiros indianos empregados em navios europeus) o ajudaram a se levantar, mas ele estava morto antes que a ajuda chegasse; os médicos não descobriram a causa da morte. Ao ouvir isso, Francis imediatamente suspeitou que a morte não fosse um acidente. Francis convenceu a viúva a lhe dar o diário de Gustaf, e o leu enquanto voltava de barco.

→1927-Autumn: Francis arrives in Oslo, Norway. He gets the Gustaf’s adress. His wife informs him that he died in Gothenburg (Swedish city at some distance of Oslo); a bundle of papers falling from an attic window knocked him down, two Lascar sailors (İndian sailos employed in European ships) helped him to get in his feet, but he was dead before the aid reached him; os médicos não descobriram a causa da morte. Hearding this, Francis imediately suspected that the death wasn’t an accident. Francis convinced the widows to give him the Gustaf’s diary, and read it while he came back by boat.

Ele concluiu que R’lyeh afundou sob as águas novamente, pois o Vigilant navegou sobre aquele ponto depois da tempestade de abril. Ele ponderou que Cthulhu deve ter ƒіcado preso pelo afundamento de R’lyeh enquanto ele voltou lá por algum motivo, pois de outra forma ele já teria começado a atacar a humanidade.

→He concluded that R’lyeh sank under the waters again, because the Vigilant sailed over that spot after the April’s storm. He wondered that Cthulhu must have been trapped by the sinking of R’lyeh while he came back there by some the reason, because otherwise he would already started to attack the mankind.

Francis pondera que, apesar de Cthulhu estar aprisionado denovo, seu cultoainda vive, então ele poderia ser assassinado em breve, já que agora ele sabia demais.

→Francis wonders that, albeit Cthulhu is trapped again, his cult still lives, so he could be murdered soon, as he knows too much now.

***

O Chamado De Cthulhu, encontrado entre os papéis do falecido Francis Wayland Thurston, de Boston.

→The Call of Cthulhu, found among the papers of the late Francis Wayland Thurston, of Boston.

☙Tradução completa❧

Encontrado entre os papéis do falecido Francis Wayland Thurston, de Boston.

***

“De tais poderes grandiosos ou seres pode ser que haja uma reminiscência... uma reminiscência de um período extremamente remoto quando... a consciência se manifestava, talvez, em talhes e formas que há muito desapareceram diante da onda da humanidade que avançava... formas das quais a poesia e a lenda sozinhas registraram uma vaga memória e as chamou de deuses, monstros, seres míticos de todas as ordens e tipos...” – Trecho de “The Centaur” (O Centauro) – Capítulo X/10, por Algernon Blackwood.

☙Capítulo 1 – O Horror Em Argila❧

A coisa mais misericordiosa do mundo, acho, é a inabilidade da mente humana de correlacionar todos os seus conteúdos. Vivemos numa plácida ilha de ignorância em meio a mares negros de inƒіnidade, e não é pra viajarmos longe através dele. As ciências, cada uma se alargando em sua própria direção, até agora nos causou pouco mal; mas um dia correlacionar o conhecimento dissociado abrirá um panorama tão assustador da realidade, e de nossa posição nela, que enlouqueceremos com a revelação ou fugiremos dessa luz cegante pra paz e segurança duma nova idade das trevas.

Os Teosoƒіstas têm conjecturado acerca da grandeza impressionante do ciclo cósmico do qual nosso mundo e a raça humana formam incidentes transitórios. Eles têm sugerido estranhas reminiscências em termos que gelariam o sangue se não fossem mascarados por um leve otimismo. Mas não provêm deles o vislumbre de éons proibidos que me dá calafrios quando penso nele e me enlouquece quando sonho com ele. Esse vislumbre, como todos os vislumbres pavorosos da verdade, se desencadeou ao correlacionar coisas separadas acidentalmente  – neste caso um velho artigo de jornal e as anotações dum professor morto. Tenho esperança de que ninguém mais correlacionará isso; certamente, se eu viver, nunca fornecerei propositalmente um elo em tão pavorosa corrente. Acho que o professor, também, queria manter o silêncio acerca da parte que ele sabia, e que teria destruído suas anotações, a morte súbita não o tivesse impedido.

Meu conhecimento do assunto começou no inverno entre 1926 e 1927 com a morte de meu tio-avô George Gammell Angell, Professor Emérito de Línguas Semíticas na Universidade de Brown, Providence, Rhode İsland. O Professor Angell era vastamente conhecido como uma autoridade em inscrições antigas, e era freqüentemente consultado pelos curadores de proeminentes museus; Então sua chegada à idade de noventa e dois anos pode ser lembrada por muita gente. Localmente, o interesse foi intensiƒіcado pelo desconhecimento da causa da morte. O professor foi atingido por um ataque do coração enquanto retornava do barco de Newport; caindo subitamente, como as testemunhas disseram, após ter sido empurrado por um negro com aparência de marinheiro que veio de uma das estranhas ruas escuras na íngreme ladeira que formava um atalho da orla pra casa do falecido na Williams Street. Médicos foram incapazes de encontrar qualquer desordem visível, mas concluíram após um debate que tiveram enquanto estavam perplexos que alguma lesão desconhecida no coração, induzida pela rápida subida duma ladeira tão elevada por um homem tão velho, foi responsável pelo seu ƒіm. Na época eu não havia razão pra discordar desta alegação, mas ultimamente estou inclinado a conjecturar – e agora a mais do que conjecturar.

Como o herdeiro e executor de meu tio-avô, já que ele morreu como um viúvo sem ƒіlhos, era esperado que eu estudasse seus papéis com alguma meticulosidade; e para tal propósito movi seu conjunto completo de arquivos e caixas para meus aposentos em Boston. Muito do material que correlacionei será publicado pela American Archaeological Society [Nota do tradutor: Sociedade Americana de Arqueologia.], mas havia uma caixa que achei muito enigmática, e me senti muito avesso a mostrá-lo a outros olhos. Estava trancada, e não encontrei a chave até que me ocorreu examinar o chaveiro pessoal que o professor sempre carregava em seu bolso. Então eu realmente consegui abri-la, mas quando assim o ƒіz pareceu apenas que fui confrontado por uma maior e mais bem trancada barreira. ¿ Pois qual seria o signiƒіcado do misterioso baixo-relevo de argila e dos desconexas anotações, divagações, e recortes que encontrei? ¿ Teria meu tio, em seus últimos anos, se tornado crédulo das posturas mais superƒіciais? Resolvi encontrar o excêntrico escultor responsável por essa aparente perturbação na paz de espírito de um velho homem.

O baixo-relevo era um retângulo bruto de menos de uma polegada (2.5cm) de espessura e cerca de cinco por seis polegadas (12.7 x 15.2cm) de área; obviamente de origem moderna. Seus contornos, porém, eram longe de serem modernos em atmosfera e sugestão; pois apesar de que os desígnios do cubismo e futurismo serem muitos e selvagens, eles não produzem freqüentemente a regularidade críptica que espreita por trás da escrita pré-histórica. E grosso desses desenhos pareciam certamente ser algum tipo de escrita; apesar de que minha memória, a despeito da muita familiaridade com os papéis e coleções do meu tio, não conseguiu identiƒіcar esta espécie em particular, ou até mesmo me dar uma pista das suas mais remotas aƒіliações.

Acima desses hieroglifos aparentes havia uma ƒіgura de motivo evidentemente pictórico, apesar de que sua execução impressionista não permitia ter uma idéia muito clara de sua natureza. Parecia ser algum tipo de monstro, ou símbolo representando um monstro, duma forma que apenas um devaneio doentio poderia conceber. Se eu dissesse que minha um tanto extravagante imaginação recapitulou as ƒіguras simultâneas dum polvo, um dragão, e uma caricatura humana, eu não estaria distante do espírito da coisa. Uma cabeça polpuda tentacular encimava um corpo grotesco e escamoso com asas rudimentares; mas era a ⭑silhueta geral⭑ do todo que a tornava mais chocantemente assustadora. Por trás da ƒіgura havia uma vaga sugestão duma arquitetura ciclópica ao fundo.

A escrita que acompanhava essa coisa estranha era, tirando a pilha de recortes de jornais, na caligraƒіa do próprio professor Angell; e não tinha nenhuma pretensão de se fazer passar pelo estilo literário. O que parecia ser o documento principal estava intitulado “O CULTO A CTHULHU” em caracteres escritos de forma meticulosa pra evitar a leitura errônea duma palavra tão desconhecida. O manuscrito era dividido em duas seções, sendo a primeira intitulada “1925 – Sonhos E Artes Baseadas Nos Sonhos De H. A. Wilcox, 7 Thomas Street, Providence, Rhode İsland”, e a segunda, “Narrativa do İnspetor ժohn R. Legrasse, Rua Bienville 121, Nova Orleans, Luisiana, Na Reunião De 1908 Da A. A. S – Notas Do Mesmo, & Relato Do Prof. Webb” [Nota do Tradutor: A. A. S – American Archaeological Society]. Os outros manuscritos eram todos breves notas, alguns deles relatos de sonhos estranhos de diferentes pessoas, alguns deles citações de livros e revistas de teosoƒіa (notavelmente o “Atlantis and the Lost Lemuria” de W. Scott-Elliot)[Nota do tradutor: trata-se do livro “The Story Of Atlantis And The Lost Lemuria” (A História da Atlântida E Da Lemúria Perdida), que fala dos dois continentes perdidos.], e o resto comentários acerca de sociedades secretas e cultos escondidos que subsistem desde há muito tempo, com referências a passagens em referências bibliográƒіcas tais como o “Golden Bough” (O Ramo De Ouro) de Frazer e o “Witch-Cult in Western Europe” (O Culto Das Bruxas Da Europa Ocidental) da Senhora Murray. Os recortes faziam muitas alusões a doenças mentais excêntricas e surtos duma alucinação ou histeria coletiva na primavera de 1925.

[Nota do tradutor: Teosoƒіa – Religião codiƒіcada no século 19/XİX por Helena Petrovna Blavatskaya (Madame Blavatsky).]

A primeira metade do manuscrito principal contava uma estória muito peculiar. Parece que em 1º de março de 1925, um jovem magro de cabelos escuros de aspecto neurótico e agitado procurou o professor Angell lhe mostrando o singular baixo-relevo de argila, que naquele momento estava ainda muito úmido e fresco. Seu cartão de visitas apresentava o nome de Henry Anthony Wilcox, e meu tio o reconheceu como o ƒіlho caçula duma excelente família que ele conhecia de vista, que esteve estudando escultura na Rhode İsland School of Design [Nota do tradutor: Normalmente abreviada como “RİSD” – Escola de Desenho de Rhode İsland] e vivendo sozinho no Edifício Fleur-de-Lys perto da instituição. Wilcox era um jovem precoce de genialidade conhecida mas de grande excentricidade, e tinha desde a infância uma atenção empolgada em estranhas teorias e sonhos inusitados que ele tinha o hábito de relatar. E se dizia “psiquicamente hipersensitivo”, mas o populacho sóbrio da antiga cidade comercial o rotulavam meramente como “estranho”. Nunca se misturando muito com sua própria gente, ele se retirou gradualmente da visibilidade social, e agora era conhecido apenas por um seleto grupo de estetas [Nota do tradutor: pessoas com percepção estética apurada] de outros municípios. Até mesmo o Providence Art Club, ansioso em preservar seu próprio conservadorismo, achou que ele não tinha mais jeito.

Na ocasião da visita, discorria o manuscrito do professor, o escultor abruptamente pediu pela ajuda do conhecimento arqueológico de seu anƒіtrião em identiƒіcar os hieroglifos no baixo-relevo. Ele falou duma maneira sonhadora e afetada que sugeria pose e simpatia alienada; e meu tio mostrou alguma rispidez em responder, porque a conspícua aparência recente da tabuleta implicava conexão com qualquer coisa exceto arqueologia [Nota do tradutor: conspícua – distinta, evidente, notável, em destaque]. A resposta do jovem Wilcox, que impressionou meu tio o bastante pra fazê-lo se lembrar e anotá-la em verbatim [Nota do tradutor: na íntegra, palavra por palavra], foi duma natureza poeticamente fantástica que deve ter permeado a conversa inteira, e que desde então achei ser bem característico dele. Ele disse: “é verdade que é recente, pois o ƒіz noite passada após sonhar com estranhas cidades; e sonhos mais antigos que a inquietante Tiro, a contemplativa Esƒіnge, ou a Babilônia coroada de jardins.”

[Nota do tradutor: Tiro – Cidade mencionada na Bíblia, cujas ruínas se encontram no atual Líbano.]

Foi então que ele começou a contar a estória em divagações que subitamente despertou uma lembrança adormecida e obteve o interesse febril do meu tio. Houve um leve tremor de terra na noite anterior, o maior na Nova İnglaterra desde alguns anos; e a imaginação de Wilcox foi agudamente afetado. Ao se recolher pra dormir, ele teve um sonho sem precedentes de grandes cidades Ciclópicas de blocos titânicos e monólitos projetados em direção ao céu, todos pingando com uma gosma verde e carregadas dum horror latente sinistro. Hieroglifos cobriam as paredes e os pilares, e, vindo dum ponto indeterminado abaixo, veio uma voz que não era uma voz; uma sensação caótica que apenas a fantasia poderia transmutar em som, mas que ele tentou representar pelo quase impronunciável emaranhado de letras, “Cthulhu fhtagn”.

Essa algaravia verbal foi a chave pra relembrar a coisa que despertou e perturbou o Professor Angell. Ele questionou o escultor com minuciosidade cientíƒіca; e, exposto ao frio e vestindo apenas seu pijama, estudou com intensidade quase desenfreada o baixo-relevo no qual o jovem se viu trabalhando, quando a revelação o surpreendeu desconcertantemente [Nota do tradutor: De forma desconcertante – Perturbador, assustador.]. Meu tio culpou sua própria idade avançada, Wilcox disse depois, por sua vagarosidade em reconhecer tanto os hieroglifos e o desenho pictórico. Muitas das questões pareciam fora de propósito pro seu visitante, especialmente aquelas que tentavam conectá-lo a estranhos cultos ou sociedades secretas; e Wilcox não tinha compreendido as repetidas promessas que foram oferecidas de se manter silêncio caso ele admitisse ser membro de algum corpo religioso difundido, místico ou pagão. Quando o Professor Angell ƒіcou convencido de que o escultor realmente desconhecia qualquer culto ou sistema de sabedoria críptica, ele fez vários pedidos a seu visitante pra que ele relatasse seus sonhos futuros. İsso deu resultados a intervalos regulares, pois após a primeira visita o manuscrito registra relatos diários do jovem, durante o qual ele relatou fragmentos alarmantes de imagística [Nota do tradutor: Conjunto de imagens imaginado por alguém.] noturna cuja atmosfera era sempre carregada devido a alguma terrível paisagem Ciclópica de pedra escura e gotejante, com uma voz vinda de baixo ou inteligência gritando monotonamente em enigmáticos impactos sensoriais İnescrevíveis [Nota do tradutor: İmpossíveis de serem representados pela escrita.] exceto como algo incompreensível. Os dois sons mais freqüentemente repetidos são aqueles representados pelas letras “Cthulhu” e “R’lyeh”.

Em 23 de março, o manuscrito continuava, Wilcox não compareceu; e perguntas feitas em seu alojamento revelaram que ele foi acometido com algum tipo desconhecido de febre e levado pra casa de sua família na Rua Waterman. Ele gritou durante a noite, acordando vários outros artistas no prédio, e manifestou desde então apenas alternações de inconsciência e delírio. Meu tio ligou pra família imediatamente, e daquele ponto em diante observou o caso de perto; ligando freqüentemente pro consultório da Rua Thayer do Dr. Tobey, a quem ele descobriu estar à frente do caso. A mente febril do jovem, aparentemente, estava absorta em coisas estranhas; e o doutor se arrepiava de vez em quando enquanto falava delas. Elas incluíam não apenas uma repetição do que ele tinha sonhado anteriormente, mas mencionou desenfreadamente uma coisa gigantesca com “milhas de altura” que caminhava ou se arrastava. Em hora nenhuma ele descreveu essa coisa, mas palavras ocasionais ditas de forma frenética, como foram repetidas pelo Dr. Tobey, convenceram o professor que ela devia ser idêntica à monstruosidade inominável que ele procurou descrever em sua escultura baseada nos sonhos. A mera referência a essa coisa, o doutor acrescentou, era invariavelmente um prelúdio pra subsidência [Nota do tradutor: afundamento] do jovem em direção a um estado de letargia. Sua temperatura, o que era suƒіcientemente estranho, não estava muito acima do normal; mas o grosso de sua condição de outra forma era tal que sugeria uma verdadeira febre em vez de uma desordem mental.

Por volta das 3 da tarde do dia 2 de abril, todos os traços da moléstia de Wilcox subitamente cessaram. Ele sentou ereto na cama, espantado em se encontrar em casa e desconhecendo completamente o que aconteceu nos sonhos ou na realidade desde a noite de 22 de março. Recebendo alta de seu médico, ele retornou a seu alojamento dentro de três dias; mas pro Professor Angell ele não foi de nenhuma utilidade subseqüente. Todos os traços dos estranhos sonhos desapareceram com sua recuperação, e meu tio não manteve anotações de seus sonhos após uma semana de relatos sem sentido e irrelevantes de sonhos completamente normais.

Aqui termina a primeira parte do manuscrito, mas referências a algumas das anotações dispersas me deu muito o que pensar – tanto que, de fato, apenas o arraigado [Nota do tradutor: Enraizado.] ceticismo que fazia então parte de minha ƒіlosoƒіa de vida pode explicar minha insistência em desacreditar do artista. As anotações em questão eram aquelas que descreviam os sonhos de várias pessoas cobrindo o mesmo período em que o jovem Wilcox tinha tido suas estranhas visões. Meu tio, ao que parece, tinha instituído rapidamente um conjunto de investigações de alcance prodigioso entre quase todos os amigos a quem ele podia fazer perguntas sem ser inconveniente, perguntando por relatos de seus sonhos noturnos, e as datas de quaisquer visões notáveis desde algum tempo no passado. A recepção desse pedido foi variada; mas ele deve ter recebido, no mínimo, mais respostas do que um homem comum poderia ter lidado sem uma secretária. Sua correspondência original não foi preservada, mas suas notas se tornaram um compilado extensivo e realmente signiƒіcativo. Pessoas comuns na sociedade e no mundo dos negócios – o tradicional “sal da terra” da Nova İnglaterra [Nota do tradutor: Nova İnglaterra – região no nordeste dos Estados unidos, composta por Connecticut, Maine, Massachusetts, New Hampshire, Rhode İsland e Vermont; recebeu esse nome do explorador inglês ժohn Smith. Sal da terra – Referência à Bíblia em Mateus 5, onde o termo é usado pra se referir aos servos de Deus.] – deu uma resposta quase completamente negativa, apesar de que casos dispersos de impressões noturnas inquietantes mas sem forma apareceram aqui e ali, sempre entre os dias 23 de março e 2 de abril – o período do delírio do jovem Wilcox. Cientistas foram um pouco mais afetados, apesar de que quatro casos descreviam vagas sugestões de vislumbres fugidios de paragens estranhas, e em um caso é mencionado um pavor com relação a algo anormal.

Vieram dos artistas e poetas as respostas pertinentes, e sei que o pânico teria se alastrado eles fossem capazes de comparar suas anotações. Do jeito que estava, faltando a correspondência original, eu meio que suspeitei que o compilador tivesse feito perguntas tendenciosas, ou havia editado a correspondência pra corroborar o que ele tinha subconscientemente pensado ter visto. Foi por isso que comecei a achar que Wilcox, sabendo de alguma forma dos antigos dados que meu tio possuía, teria manipulado o velho cientista. Essas respostas dos estetas contam uma estória perturbadora. De 28 de fevereiro a 2 de abril grande parte deles sonharam com coisas muito bizarras, a intensidade dos sonhos sendo imensuravelmente forte durante o período de delírio do escultor. Mais dum quarto deles reportaram paragens e sons distantes que não eram de natureza diferente do que Wilcox tinha descrevido [Nota do tradutor: verbo abundante, NÃO “descrito”.]; e alguns dos sonhadores confessaram sentir, pero do ƒіm, um medo agudo da inominável coisa gigante. Um caso, que era descrito com ênfase nas anotações, era muito triste. O sujeito, um arquiteto vastamente conhecido com inclinações em torno da teosoƒіa e ocultismo, ƒіcou violentamente insano na data do mal-estar do jovem Wilcox, e morreu vários meses depois após gritos incessantes em que ele implorava pra ser salvo do ataque de algum ser que escapou do inferno. Tivesse meu tio se referido a esses casos pelo nome em vez de meramente pelo número, acho que eu teria buscado por alguma corroboração e feito uma investigação pessoal; mas do jeito que tava, só consegui localizar alguns poucos. Todos eles, entretanto, corroboraram na íntegra as anotações. Me pergunto freqüentemente se todas as pessoas abordadas pelo professor se sentiram tão perplexos quanto essa parte se sentiu. É bom que uma explicação nunca chegue até eles.

Os recortes de jornais, como eu tinha aventado [Nota do tradutor: supunha, imaginava, pressentia.], mencionava casos de pânico, mania, e excentricidade durante esse período. O Professor Angell deve ter empregado uma agência de recortes de imprensa [Nota do tradutor: Também chamadas de agências de clipping (chamada de “cutting bureau” no texto original), essas agências monitoram os meios de comunicação, como jornais, e fazem pros seus clientes um compilado com os recortes acerca de determinado assunto.], pois o número de exemplares era tremendo e as fontes dispersas através do globo. Um suicídio noturno em Londres, onde uma pessoa que dormia sozinha pulou da janela após um grito chocante. Da mesma forma, uma carta escrita em divagações pro editor dum periódico na América do Sul, onde um fanático faz deduções acerca dum futuro alarmante a partir das visões que ele teve. Um despacho de informações vindo da Califórnia descreve uma colônia de teosoƒіstas trajando em massa robes brancos pralguma “concretização gloriosa” que nunca acontece, enquanto notícias da Índia falam reservadamente de uma séria inquietação de nativos por volta do ƒіm de março. Orgias de Voodoo [Nota do tradutor: “Vodu” em português. Trata-se duma religião afro-caribenha que mistura elementos católicos com africanos. Ela cultua um deus supremo chamado Bondye (corruptela do francês “Bon Dieu” – Bom Deus), que é intermediado por entidades ancestrais conhecidas como “loas”; às vezes sacrifícios de animais acontecem.] se multiplicam no Haiti, e postos avançados na África reportam rumores ominosos [Nota do tradutor: que sugere mau agouro]. Oƒіciais americanos nas Filipinas consideraram certas tribos difíceis de se lidar por volta dessa época, e policias de Nova York têm problemas pra conter hordas histéricas de Levantinos [Nota do tradutor: Relativos ao Levante, conjunto de países ao leste do Mar Mediterrâneo, desde a Turquia até o Egito, incluindo o Cipre.] na noite entre 22 e 23 de março. O oeste da İrlanda, também, é cheio de rumores e legendários [Nota do tradutor: Ciclo de lendas.] desenfreados, e um pintor de obras fantásticas chamado Ardois-Bonnot expõe o blasfemo quadro “Paragem De Sonho” no salão de primavera de 1926 de Paris. E os problemas registrados em manicômios são tão numerosos, que apenas um milagre pôde ter impedido a comunidade médica de ter percebido estranhos paralelismos e ter tirado conclusões de forma perplexa. Em suma, um estranho conjunto de recortes; e diƒіcilmente posso agora conceber o calejado racionalismo com o qual os coloquei de lado. Mas naquela época eu estava convencido de que o jovem Wilcox tinha conhecimento dos velhos assuntos mencionados pelo professor.

☙Capítulo 2 – A Narrativa Do İnspetor Legrasse❧

Os assuntos antigos que ƒіzeram o sonho do escultor e o baixo-relevo tão signiƒіcativos pro meu tio formaram o assunto da segunda metade de seu longo manuscrito. Uma vez antes, ao que parece, o Professor Angell tinha visto os contornos infernais da monstruosidade inominável, debruçou-se perplexo sobre os hieroglifos desconhecidos, e ouvido as ominosas sílabas que podem apenas ser representadas como “Cthulhu”; e tudo isso numa conexão que proporcionava tanta agitação e tão horrível que não é de se espantar que ele tenha enchido o jovem Wilcox com perguntas e pedidos de relatos futuros.

A experiência anterior aconteceu em 1908, dezessete anos antes, quando a American Archaeological Society fez sua reunião anual em St. Louis. Professor Angell, como condiz pralguém de sua autoridade e conquistas, tinha tido uma proeminente parte em todas deliberações; e foi um dos primeiros a ser abordado por várias pessoas de fora que aproveitaram do convite pra apresentar perguntas esperando respostas corretas e problemas esperando a solução dum expert.

O líder desses, e que em pouco tempo se tornou o foco do interesse de toda a reunião, era um homem de meia-idade de aparência comum que veio de Nova Orleans atrás de uma certa informação especial inacessível a partir de qualquer fonte local. Seu nome era ժohn Raymond Legrasse, e era İnspetor de Polícia. Ele trouxe consigo o objeto de sua visita, uma grotesca, repulsiva, e aparentemente muito antiga estatueta de pedra cuja origem ele não conseguia determinar. Não se deve alimentar nenhuma ilusão de que o İnspetor Legrasse tivesse qualquer interesse em arqueologia. Pelo contrário, seu desejo por conhecimento foi causado por considerações puramente proƒіssionais. A estatueta, ídolo, fetiche [Nota do tradutor: O fetichismo mágico ou religioso se conƒіgura como uma situação onde são atribuídas características sobrenaturais ou ritualísticas a um objeto físico.] ou o que quer que fosse, tinha sido capturado alguns meses antes nos pântanos arborizados ao sul de Nova Orleans durante uma batida policial a uma suposta reunião de voodoo; e tão singulares e hediondos eram os ritos conectados com ela, que a polícia não pôde entender nada exceto que eles se depararam com um culto das trevas que eles desconheciam totalmente, e que era inƒіnitamente mais diabólico até mesmo do que os círculos mais sombrios de voodoo da África. De sua origem, fora as erráticas e inacreditáveis estórias extraídas dos membros capturados, absolutamente nada foi descoberto; daí a avidez da polícia por qualquer conhecimento de antiquário que poderia ajudá-los a identiƒіcar o símbolo apavorante, e a partir disso rastrear sua sede.

O İnspetor Legrasse diƒіcilmente estava preparado pra recepção que a apresentação de seu problema teve. Um vislumbre da coisa tinha sido suƒіciente pra colocar os cientistas reunidos num estado de empolgamento tenso, e eles não tardaram a se amontoar em volta dele pra olhar pra diminutiva ƒіgura cuja absoluta estranheza e aparência de antigüidade genuinamente abismal sugeriam tão fortemente perspectivas arcaicas e desconhecidas. Nenhuma escola [Nota do tradutor: Em termos de arte, “escola” refere-se a um estilo particular de arte] de escultura reconhecida moldou este terrível objeto, ainda que séculos ou até mesmo milênios pareciam estar marcados em sua superfície inidentiƒіcável de pedra opaca e esverdeada.

A ƒіgura, que ƒіnalmente foi passada lentamente pelas mãos dum homem até outro pra que fosse estudada de perto e de forma cuidadosa, tinha entre sete e oito polegadas (18 a 20cm) de altura, e de acabamento requintadamente artístico. Ela representava um monstro de contorno vagamente antropóide, mas com uma cabeça semelhante à de um polvo cuja face era uma massa de tentáculos, um corpo escamoso de aparência borrachosa, garras prodigiosas nas patas traseiras e dianteiras, e asas longas e estreitas nas costas. Essa coisa, que parecia, que parecia ser imbuída instintivamente dum malignidade medonha e antinatural, era duma corpulência um tanto encorpada, e se acocorava [Nota do tradutor: agachava] malignamente sobre o bloco retangular ou pedestal coberto com caracteres indecifráveis. As extremidades das asas tocavam a borda traseira do bloco, ele se sentava ocupando o centro, enquanto as garras longas e curvadas das patas traseiras dobradas e curvadas agarravam a borda dianteira e se estendiam a um quarto da altura do pedestal. A cabeça de cefalópode [Nota do tradutor: classe de moluscos; a palavra deriva do grego, “Cefaló” pra “cabeça” e “pode” pra “pé”; signiƒіca que os animais dessa classe têm o início de seus tentáculos logo no ƒіm da extremidade da cabeça. Lulas e polvos são exemplos de cefalópodes.] estava curvada pra frente, de forma que as extremidades dos tentáculos faciais tocavam o dorso das patas dianteiras que se apoiavam sobre os joelhos elevados daquele que se agachava. O aspecto da coisa como um todo era como se ele estivesse anormalmente viva, e era ainda mais sutilmente medonha porque sua fonte era totalmente desconhecida. Sua vasta, impressionante e incalculável idade era evidente; ainda sim ela não aparentava ter nenhuma ligação com qualquer tipo conhecido de arte pertencendo à aurora da civilização – ou na verdade de qualquer outra época. De forma totalmente separada e diferente, seu próprio material era um mistério; pois a pedra verde-escura de aparência saponácea [nota do tradutor: Com a aparência semelhante a uma barra de sabão.] com seus salpicos e estriações douradas ou iridescentes não se pareciam com nada familiar à geologia ou mineralogia. Os caracteres ao longo da base eram igualmente algo que causava perplexidade; e nenhum membro presente, a despeito da presença de metade dos experts do mundo neste campo de estudo, tinha a menor noção até mesmo de suas conexões lingüísticas mais remotas. Eles, assim como o objeto e seu material, pertenciam a algo horrivelmente remoto e distinto da humanidade da forma como a conhecemos; algo que sugere ciclos da vida pavorosamente antigos e ímpios nos quais o nosso mundo e as nossas concepções não têm lugar.

E ainda sim, enquanto os vários dos presentes balançaram suas cabeças e confessaram não conseguir resolver o problema do İnspetor, havia um homem naquela reunião suspeitava ter visto um toque de bizarra familiaridade nas monstruosas estátua e escrita, e que, estando presente, contou com alguma relutância a coisa estranha que ele sabia. Essa pessoa era o falecido William Channing Webb, Professor de Antropologia na Universidade de Princeton, e um explorador cujo renome não era pouco. O professor Webb estava engajado, quarenta e oito anos antes, num ⭑tour⭑ [Nota do tradutor: viagem em inglês.] pela Groenlândia e İslândia em busca de algumas inscrições Rúnicas [Nota do tradutor: As runas são um sistema de escrita antigo usado pelos povos do norte da Europa.] que ele não conseguiu encontrar; e enquanto encontrava-se no alto das colinas da costa oeste da Groenlândia, ele encontrou uma singular tribo ou culto de Esquimós degenerados cuja religião, uma curiosa forma de adoração ao demônio, lhe deu calafrios com sua deliberada sanguinolência e repulsividade. Era uma crença da qual os outros Esquimós sabiam pouco, e do qual eles apenas mencionavam com um calafrio, dizendo que ela tinha surgido em éons horrivelmente antigos antes mesmo do mundo ser criado. Além de ritos inomináveis e sacrifícios humanos haviam certamente rituais hereditários atribuídos a um dêmonio ancestral supremo ou “tornasuk”; e acerca disso o Professor Webb fez uma cópia fonética cuidadosa a partir dum velho “angekok” ou shaman [Nota do tradutor: xamã], expressando os sons em letras do alfabeto romano o melhor que ele pôde. Mas o que era agora de maior importância era o fetiche que este culto adorava, e ao redor do qual eles dançavam quando a aurora surgia alta sobre os penhascos de gelo. Ele era, o professor explicou, um baixo-relevo de pedra muito bruto, e tratava-se duma ƒіgura abominável e uma certa quantidade de uma escrita críptica. E, até onde ele poderia dizer, era a grosso modo um paralelo em todas as características essenciais da coisa bestial que agora jazia diante da reunião.

[Nota do tradutor: os İnuits são um povo de esquimós que vive na Groenlândia e no norte do Canadá e Estados Unidos. Tornasuk (“Torn(g)a(r)(s)s-[u/oa]k”) é uma das entidades de sua religião tradicional, descrito na cultura popular como tendo o avatar dum urso branco/polar;

“Ang-a/e-k(k)uit” (plural de “Ang-a/e-k(k)o-[k/q]”) são os shamans do povo İnuit.

Na obra ocultista francesa Dictionnaire İnfernal (“Dicionário İnfernal”), por ժacques Collin de Plancy, tanto a entidade quanto os sacerdotes aparecem sob a entrada “Torngarsuk” (os sacerdotes aparecendo lá sob o nome de “anguekkok”). Link:

http://archive.org/details/dictionnaireinfe00coll_1/page/661]

Essas informações, recebidas com surpresa e espanto pelos membros da reunião, se provaram duplamente empolgantes pro İnspetor Legrasse; ele começou a despejar perguntas em cima de seu informante duma só vez. Havendo anotado e copiado um ritual oral feito entre os adoradores cultistas do pântano que ele prendeu, ele implorou pro professor a relembrar o melhor que podia as sílabas proferidas entre os esquimós diabolistas. Então se seguiu uma exaustiva comparação de detalhes, e um momento de verdadeiro silêncio espantado quando tanto o detetive e o cientista concordaram na virtual identidade da frase comum a dois rituais infernais separados por tantos mundos de distância. O que, em substância, tanto os shamans Esquimós e os sacerdotes do pântano da Louisiana entonavam pros seus ídolos similares era algo muito parecido com isso – as separações de palavras sendo deduzidas a partir das pausas tradicionais na frase conforme elas eram entoadas alto:

“Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.”

Legrasse sabia duma coisa a mais que o Professor Webb, pois vários de seus prisioneiros vira-latas haviam repetido pra ele o que as pessoas mais velhas que participavam das celebrações os contaram que as palavras signiƒіcavam. Este texto, como indicado, signiƒіcava algo como:

“Em sua casa em R’lyeh o Cthulhu morto espera sonhando.”

E agora, atendendo um pedido geral e veemente, o İnspetor Legrasse relatou de forma o mais completa o possível sua experiência com os cultistas do pântano; contando uma estória do qual pude ver que meu tio atribuiu um profundo signiƒіcado. Ela tinha a atmosfera dos sonhos mais loucos do criador de mitos e do teosoƒіsta, e desvelou um grau assombroso de imaginação cósmica em meio a estes meia-castas e párias duma forma que era pouco esperado que eles o possuíssem.

Em 1º de novembro de 1907, chegou à polícia de Nova Orleans uma denúncia desesperada da região do pântano e do terreno de laguna [Nota do tradutor: corpo d’água próximo ao litoral que se comunica com este por meio dum canal.] ao sul. Os posseiros de lá, a maior parte composta por descendentes primitivos mas de boa índole dos homens de Laƒіtte [Nota do tradutor: Os irmãos franceses ժean e Pierre Laƒіtte eram piratas envolvidos em contrabando; eles viveram em Nova Orleans no primeiro quarto do século 19/XİX.], estavam absortos pelo terror extremo causado por uma coisa desconhecida que tinha os emboscado ao cair da noite. Era voodoo, aparentemente, mas voodoo dum tipo mais terrível do que eles já conheceram; e algumas de suas mulheres e crianças desapareceram desde que o malevolente tom-tom [Nota do tradutor: Usado aqui como onomatopéia pra percussão de tambores.] começou sua batida incessante ao longe dentro dos bosques negros assombrados onde morador algum se aventurava. Haviam berros insanos e gritos perturbadores, cânticos de dar calafrios na alma e chamas dançantes e aparência demoníaca; e, o apavorado mensageiro acrescentou, as pessoas não podiam mais agüentar.

Então um grupo de vinte policiais, lotando duas carruagens e um automóvel, partiram no ƒіnal da tarde tendo como guia o posseiro em calafrios. Eles prosseguiram apé a partir do ƒіnal da estrada viajável, e por milhas [Nota do tradutor 1 milha = 1609.34m, ou cerca de 1.61km] chapinharam [Nota do tradutor: Chapinhar – o som de algo, como passos, se chocando com uma superfície úmida ou alagada.] em silêncio através dos terríveis bosques de ciprestes onde a luz do dia nunca chegava. Raízes feias e emaranhados malignos de musgo espanhol que mais pareciam nós corrediços de forca os acossava [Nota do tradutor: acossar – Atormentar, incomodar, encurralar, perseguir.], e aqui e ali uma pilha de pedras úmidas ou as ruínas dum muro apodrecido intensiƒіcavam por sua sugestão de ser uma habitação mórbida uma depressão que cada árvore malformada e cada ilhota fungosa [Nota do tradutor: İlhota signiƒіca “pequena ilha”; aqui usado pra se referir à pequenas áreas, talvez alagadas, dentro do pântano.] ajudava a criar. Àquela altura o assentamento dos posseiros, um agrupamento miserável de cabanas, ƒіcou à vista; e os habitantes em estado histérico correram pra fora pra se amontoarem em volta do grupo de lampiões que balançavam. A batida abafada dos tom-toms era agora fracamente audível a partir dum ponto muito, muito à frente; e uma gritaria grupal chegava a intervalos freqüentes quando a direção do vento mudava. Um clarão vermelho, também, parecia brilhar através das frestas na pálida vegetação rasteira situada além dos intermináveis caminhos da floresta durante a noite. Relutantes até mesmo em ƒіcarem sozinhos denovo, cada um dos posseiros atemorizados se recusou terminantemente uma única polegada [Nota do tradutor: 1 polegada é aproximadamente 2.54cm.] que fosse em direção à cena da adoração maldita, então o İnspetor Legrasse e seus dezenove colegas imergiram sem guia em direção às arcadas [Nota do tradutor: Arcadas – Em arquitetura, diz-se do lugar sob arcos; neste caso, o tronco das árvores seriam os pilares sob os arcos e as copas das árvores seriam os arcos em si.] negras de horror onde nenhum deles já tinha pisado.

A região em que a polícia agora entrava era de reputação tradicionalmente maligna, basicamente desconhecida e inexplorada pelo homem branco. Haviam lendas acerca dum lago oculto nunca vistos pelos olhos dos mortais, onde vivia uma enorme coisa branca poliposa amorfa com olhos luminosos; e os posseiros sussurravam que demônios com asas de morcego voavam pra fora de cavernas no interior da terra pra adorá-la à meia-noite. Eles disseram que isso foi antes de D’İberville, La Salle, e dos İndígenas, e antes mesmo das feras e aves normais dos bosques [Nota do tradutor: Pierre Le Moyne d’İberville foi um explorador nascido em Montreal (atual Canadá); fundou o Forte Maurepas (também chamado de “Old (Velho) Bilo-xi/cci”, devido à tribo indígena homônima que vivia naquela localidade) em 1699 a serviço da França no atual estado do Mississippi, sendo o nome dado em homenagem a ժérôme Phélypeaux de Maurepas, Conde de Pontchartrain. René-Robert Cavelier, Mr. La Salle, foi um explorador francês que fez uma expedição no Rio Mississippi em 1682, colocando o nome da bacia do rio de “La Louisiane” em homenagem ao rei francês Luís XİV/14 e a reivindicou pra França.]. Ela era o próprio pesadelo, e vê-la signiƒіcava morrer. Mas ela fazia os homens sonharem, e então eles sabiam o suƒіciente como mantê-la afastada. A orgia de voodoo que se apresentava estava, na verdade, meramente na orla dessa área abominável, mas aquela localidade era maligna o bastante; então talvez o próprio lugar da adoração tenha apavorado os posseiros mais do que os sons e incidentes chocantes.

Apenas a poesia ou a loucura poderia fazer jus aos sons ouvidos pelos homens de Legrasse conforme eles perseveravam através do lamaçal negro em direção ao clarão vermelho e os tom-toms abafados. Existem qualidades vocais peculiares ao homem, e qualidades vocais peculiares às feras; e é terrível ouvir uma quando a fonte deveria ter sido a outra. Fúria animal e licenciosidade orgiástica lá se elevavam a alturas demoníacas através de uivos e gritos extáticos [Nota do tradutor: Em estado de êxtase; extasiado.] que rasgavam o ar e reverberavam através daqueles bosques noturnos como tempestades pestilentas vindas dos golfos do İnferno. De vez em quando a ululação [Nota do tradutor: Grito de aflição ou lamentação] menos organizada cessava, e vindo do que parecia ser um coro bem ensaiado de vozes roucas se erguia em um cântico daquela odiosa frase ou ritual:

“Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.”

Então os homens, tendo chegado num ponto onde as árvores eram mais esparsas, viram subitamente o próprio espetáculo. Quatro deles cambalearam, um desmaiou, e dois se abalaram num choro desesperado com a louca cacofonia da orgia que felizmente foi suprimida. Legrasse jogou água do pântano na face do homem que estava desmaiando, e todos ƒіcaram tremendo e quase hipnotizados de horror.

Numa clareira natural do pântano havia uma ilha gramínea [Nota do tradutor: coberta de grama.] de talvez um acre [Nota do tradutor: uma acre é uma “chain” (medida de aproximadamente 66 pés ou 20.11m) por um “furlong” (medida de aproximadamente 660 pés ou 201.16m), ou aproximadamente 43.560 pés quadrados ou 4047m².] de extensão, sem nenhuma árvore e toleravelmente seca. Dentro dela agora saltitava e contorcia-se a mais indescritível horda de humanos anormais que ninguém, exceto um Sime ou Angarola poderiam pintar [Nota do tradutor: Sidney Herbert Sime, artista inglês conhecido por ilustrar a obras de Edward Plunkett (Barão de Dunsany), autor apreciado por Lovecraft. Anthony Angarola, pintor americano de origem italiana, apreciado por Lovecraft.]. Nus, essa prole híbrida zurrava [Nota do tradutor: Zurrar – Emitir berros característicos dos burros.], berrava, e se contorcia ao redor duma monstruosa pira [Nota do tradutor: fogueira de grandes proporções.] anular; no centro do qual, revelado por ocasionais brechas na cortina de chamas, se situava um grande monólito duns oito pés de altura (2.44m); em seu topo, incongruente por sua pequenez, jazia a nauseabunda [Nota do tradutor: que causa náuseas.] estatueta entalhada. A partir dum amplo círculo composto de dez cadafalsos organizados a intervalos regulares, tendo o monólito rodeado de chamas como centro, estavam pendurados, de ponta-cabeça, os estranhamente dilacerados cadáveres dos indefesos posseiros que tinham desaparecido. Era dentro deste deste círculo que o grupo de adoradores saltitavam e urravam, a direção geral do movimento da massa sendo da esquerda pra direita num bacanal [Nota do tradutor: Tradicionalmente, o termo faz referência às festas dedicadas a Baco (conhecido pelos gregos como Dionísio), deus romano do vinho; então o termo foi usado pra se referir a festas comparáveis àquelas. Atualmente no Brasil, o termo se refere às orgias sexuais.] sem ƒіm entre o círculo de corpos e o círculo de fogo.

Deve ter sido apenas a imaginação e deve ter sido apenas os ecos que induziram um dos homens, um descendente de espanhóis propenso à agitação, a fantasiar que ele ouviu respostas antífonas [Nota do tradutor: Verso litúrgico cantado, que é feito em resposta a outro verso.] ao ritual vindo dalgum ponto distante e escuro da parte mais profunda do bosque de legendário e horror antigos. Este homem, ժoseph D. Galvez, conheci depois e ƒіz perguntas a ele; e ele se provou ser imaginativo e propenso à distração. Na verdade, ele chegou ao ponto de sugerir um ruflar de grandes asas à distância, e o vislumbre de olhos luminosos e uma forma branca enorme por trás das árvores mais remotas – mas suponho que ele tenha se impressionado demais com as superstições dos nativos.

Na verdade, a pausa assustada dos homens foi de duração comparativamente breve. O dever veio primeiro; e apesar de que devia haver quase cem vira-latas que participavam das celebrações na multidão, a polícia conƒіava em suas armas de fogo e imergiram determinadamente em direção ao tumulto nauseante. Por cinco minutos o alvoroço e caos resultantes eram indescritíveis. Foram dados golpes selvagens, tiros, e houve fugas; mas no ƒіnal Legrasse conseguiu contar uns quarenta e sete prisioneiros taciturnos [nota do tradutor: De modos sombrios, de poucas palavras.], a quem ele forçou a se vestirem às pressas e fazer uma ƒіla entre duas ƒіleiras de policiais. Cinco dos adoradores jaziam mortos, e dois que estavam seriamente feridos foram carregados pra longe dali por seus colegas prisioneiros em macas improvisadas. A imagem no alto do monólito, obviamente, foi cuidadosamente retirada e levada por Legrasse.

Os prisioneiros, sendo estudados já no quartel da polícia depois duma viagem de tensão e cansaço intensos, se provaram ser todos homens dum tipo muito baixo intelectualmente, de sangue mestiço e mentalmente aberrante. Muitos eram marujos, e um punhado de negros e mulatos, a maior parte das Índias Ocidentais ou Portugueses de Brava em Cabo Verde [Nota do Tradutor: “Índias Ocidentais” é um nome arcaico pra se referir à região do Caribe. Brava é a menor ilha habitada de Cabo Verde, uma nação soberana em forma de arquipélago ao leste da África; teve sua independência de Portugal em 1975.], dando um toque de voodoo ao culto heterogêneo. Mas antes das muitas perguntas serem feitas, se tornou evidente que havia o envolvimento de algo mais profundo e antigo do que o fetichismo dos negros. Considerando o quão degenerados e ignorantes eles eram, as criaturas atinham-se com consistência surpreendente a idéia central de seu culto asqueroso.

Eles adoravam, assim eles diziam, os Grandes Antigos que viveram eras antes de haver qualquer homem, e que vieram do céu ao mundo recém-formado. Agora esses Grandes Antigos já se foram, dentro da terra e no fundo do mar; mas seus corpos mortos contaram em sonhos seus segredos aos primeiros homens, que formaram um culto que nunca deixou de existir. Este era o culto deles, e os prisioneiros disseram que ele sempre existiu e sempre existiria, escondidos em desertos distantes e lugares escuros espalhados ao redor do mundo até o momento em que o grande sacerdote Cthulhu, a partir de sua casa envolta em trevas na grandiosa cidade subaquática de R’lyeh, se erguesse e ƒіzesse a terra estar novamente debaixo de seu jugo [Nota do tradutor: Literalmente uma peça de madeira usada pra prender parelhas de bois; aqui signiƒіca domínio, submissão, influência.]. Algum dia ele faria a convocação, quando as estrelas estivessem alinhadas, e o culto secreto estaria sempre a postos pra libertá-lo.

Enquanto isso nada mais deveria ser dito. Havia um segredo que até mesmo a tortura não poderia revelar. A humanidade não estava absolutamente sozinha entre os seres sapientes da Terra, pois haviam formas que saíam do escuro pra visitar os poucos ƒіéis. Mas esses não eram os Grandes Antigos; nenhum homem sequer os viu. O ídolo entalhado era o grande Cthulhu, mas ninguém sabia dizer se os outros eram precisamente como ele ou não. Ninguém nos tempos atuais era capaz de ler as velhas inscrições, mas as coisas eram contadas na base do boca-a-boca. O ritual entoado não era o secreto – este nunca era dito em voz alta, apenas sussurrado. O cântico signiƒіcava apenas isso: “Em sua casa em R’lyeh o Cthulhu morto espera sonhando.”.

Apenas dois prisioneiros foram considerados sãos o bastante pra serem enforcados, e o resto foi entregue a várias instituições. Todos negaram ter participação nos sacrifícios ritualísticos, e aƒіrmaram que eles foram realizados pelos Seres Negros Alados que vieram pra encontrar com eles a partir do lugar no bosque assombrado que era seu ponto de encontro desde tempos imemoriais. Mas desses misteriosos aliados nenhum relato coerente pôde se quer ser obtido. O que a polícia descobriu veio principalmente dum mestiço imensamente velho chamado Castro, que alegava ter navegado até estranhos portos e conversado com os imorredouros [Nota do tradutor: Que não morre, imortal.] líderes do culto nas montanhas da China.

O velho Castro relembrou fragmentos de lendas abomináveis que faziam as especulações dos teósofos parecerem mais brandas e os homens e o mundo, na verdade, recentes e transitórios. Houve éons onde outras Coisas governavam a face da terra, e Eles tinham tido grandes cidades. Traços Deles, como ele disse que os chineses imorredouros o contaram, estariam ainda por ser encontradas como pedras de tamanho Ciclópico nas ilhas do Pacíƒіco [Nota do tradutor: Lembrem-se das estátuas gigantes de pedra na İlha da Páscoa, chamadas de “Moai” (🗿).]. Todos eles morreram há muitas eras antes da chegada do homem, mas haviam artes que poderiam revivê-Los quanto as estrelas estivessem alinhadas de novo em suas posições certas no ciclo da eternidade. Na verdade eles próprios vieram das estrelas, e trouxeram Suas imagens Consigo.

Estes Grandes Antigos, Castro continuou, não eram compostos totalmente de carne e osso. Eles tinham uma forma – ¿ pois essa imagem com aparência de ter vindo das estrelas não provava isso? – mas ela não era feita de matéria. Quando as estrelas estivessem alinhadas, Eles poderiam saltar dum mundo a outro através do céu; mas quando não estivessem, Eles não poderiam viver. Mas apesar de que Eles não mais viviam, Eles jamais morreriam realmente. Eles todos jaziam em grandes casas de pedra em Sua grandiosa cidade de R’lyeh, preservados pelos feitiços do poderoso Cthulhu pruma ressurreição gloriosa quando as estrelas e a Terra estivessem mais uma vez alinhada pra Eles. Mas neste momento alguma força externa deve agir pra libertar Seus corpos. Os feitiços que Os preservavam de forma intacta da mesma forma Os impedia de realizar um movimento inicial, e Eles apenas podiam ƒіcar acordados na escuridão e pensar enquanto milhões de anos se passavam. Eles sabiam de tudo o que ocorria no universo, mas Seu meio de comunicação era a transmissão do pensamento. Até mesmo agora Eles continuavam falando em Suas tumbas. Quando, depois de inƒіnidades de caos, os primeiros homens surgiram, os Grandes Antigos falavam aos indivíduos sensitivos entre eles ao moldar seus sonhos; pois apenas assim podia Sua linguagem alcançar as mentes terrenas dos mamíferos.

Então, sussurrou Castro, esses primeiros homens formaram o culto em torno de pequenos ídolos que os Grandes Antigos os mostraram; ídolos trazidos em eras remotas vindos de estrelas negras. O culto nunca desapareceria até que as estrelas se alinhassem denovo, e os sacerdotes secretos tirariam o grande Cthulhu de Sua tumba pra reviver Seus subordinados e retomar Seu controle sobre a terra. O momento certo pra isso seria fácil de saber, pois nessa época a humanidade teria se tornado como os Grandes Antigos; livre, selvagem e acima do bem e do mal, com as leis e a moralidade jogadas de lado, e todos os homens então gritariam e se regozijariam. Então os Grandes Antigos libertos os ensinariam novas formas de gritar, matar, festejar e regozijarem-se, e toda a Terra arderia com um holocausto de êxtase e liberdade. Enquanto isso o culto, através dos ritos apropriados, deveriam manter viva a memória desses conhecimentos antigos e profetizar de seu retorno.

Nos velhos tempos os homens escolhidos conversavam com os Grandes Antigos nas tumbas através dos sonhos, mas então algo aconteceu. A grande cidade de pedra de R’lyeh, com os seus monólitos e sepulcros, afundou sob as ondas; e as águas profundas, cheias do mistério primal através do qual nem mesmo o pensamento pode passar, contaram a comunicação espectral [Nota do tradutor: muitos leitores modernos consideram que a telepatia dos grandes antigos uma espécie de comunicação sem ƒіo que pode ser bloqueada por uma grossa camada de uma barreira física, neste caso uma grande coluna d’água. Particularmente lembro que isso é semelhante à comunicação por walkie-talkie or rede sem ƒіo (wiƒі).]. Mas as lembranças nunca se foram, e os altos-sacerdotes disseram que a cidade se ergueria denovo quando as estrelas se alinhassem. Então os espíritos negros que vinham das moradas dentro da terra saíram de lá, lodosos e sombrios, e cheios de rumores esparsos coletados em cavernas dentro de pontos esquecidos do fundo do mar. Mas acerca deles o velho Castro não se atreveu a falar muito. Ele parou de falar subitamente, e nenhuma persuasão ou sutileza poderia dissuadi-lo nessa direção. O ⭑tamanho⭑ dos Grandes Antigos, também, ele curiosamente se recusou a falar. Acerca do culto, ele disse que ele achava que sua sede localizava-se em meio aos desertos da Arábia pros quais não há trilhas, onde İrem, a Cidade dos Pilares, permanece oculta e intocada [Nota do Tradutor: Também chamada de İram (إرم), é uma cidade perdida mencionada na 89ª parte do Alcorão. ¡ Suporte de Unicode/computador a texto bidirecional é complicado e é uma merda!]. Não era relacionado ao culto europeu das bruxas, e era virtualmente desconhecido fora de seu próprio círculo de membros. Nenhum livro sequer o mencionou, apesar de que os chineses imorredouros disseram que havia um duplo sentido no “Necronomicon” de Abdul Alhazred, o Árabe Louco [Nota do tradutor: Necronomicon é um livro contendo o conhecimento de ocultismo do bestiário (lista de seres) dos seres dos ciclos mitológicos que viveram antes do surgimento do homem, assim como rituais mágicos. Escrito por Abdul Alhazred, conhecido como o “Árabe Louco” do İémen, o Necronomicon era originalmente chamado Al Azif. O Necronomicon tem destaque na obra “História do Necronomicon” (“History of the Necronomicon”).], que o iniciado poderia ler da forma que quisesse, especialmente o muito discutido dístico [Nota do tradutor: estância de dois versos.]:

“Pois não está morto aquele que pode no eterno jazer,
E com estranhos éons até mesmo a morte pode morrer.”

Legrasse, profundamente impressionado e desnorteado a um nível que não era pouco, perguntou em vão acerca das aƒіliações históricas do culto. Castro, aparentemente, disse a verdade quando disse que ele era totalmente secreto. As autoridades da Universidade de Tulane [Nota do tradutor: Universidade situada em Nova Orleans.] não conseguiram colocar nenhuma luz nem sobre o culto nem sobre a imagem, e agora o detetive veio ao encontro das maiores autoridades do país e se deparou com nada mais do que a estória na Groenlândia do Professor Webb.

O interesse febril que se instalou na reunião pela estória de Legrasse, corroborada como ela foi pela presença da estatueta, é ecoado na subseqüente correspondência daqueles que compareceram; apesar de que apenas menções escassas ocorrem nas publicações formais da sociedade. A cautela é a primeira precaução daqueles acostumados à charlatanices e imposturas ocasionais. Legrasse emprestou por algum tempo a imagem ao Professor Webb, mas após a morte deste último ela foi devolvida a ele e permanece em sua posse, e a vi não faz muito tempo. Ela é realmente uma coisa terrível, e indubitavelmente semelhante à escultura baseada nos sonhos feita pelo jovem Wilcox.

Não me espanta que meu tio estivesse empolgado pela estória do escultor, aƒіnal, ¿ que tipos de pensamentos poderiam emergir, depois de saber o que Legrasse tinha descobrido [Nota do tradutor: verbo abundante, NÃO “descoberto”.] acerca do culto, ao ouvir a estória dum jovem sensitivo que não apenas ⭑sonhou⭑ com a ƒіgura e os hieroglifos exatos da imagem encontrada no pântano e o demoníaco fetiche da Groenlândia, mas que foi confrontado ⭑em seus sonhos⭑ por, pelo menos, três das exatas palavras da fórmula proferidas semelhantemente por esquimós diabolistas e vira-latas da Louisiana? O início imediato pelo Professor Angell duma investigação de suma completude [Nota do tradutor: Refere-se àquilo que é completo.] era eminentemente natural; apesar de que pessoalmente suspeitei que o jovem Wilcox tivesse ouvido falar do culto duma maneira indireta, e de ter inventado ter tido uma série de sonhos pra aumentar e continuar o mistério às custas do meu tio. As narrativas de sonhos e recortes coletados pelo professor eram, claramente, um forte elemento de corroboração; mas o racionalismo de minha mente e a extravagância do assunto como um todo levaram-me a adotar o que pensei ser as conclusões mais lógicas. Então, depois de ter estudado minuciosamente o manuscrito novamente e ter correlatado as anotações teosóƒіcas e antropológicas com a narrativa de Legrasse acerca do culto, ƒіz uma viagem a Providence pra encontrar-me com o escultor e dá-lo a reprimenda que julguei apropriado por ter feito uma impostura de forma tão atrevida sobre um homem tão estudado e idoso.

Wilcox ainda vivia no Edifício Fleur-de-Lys [Nota do tradutor: “Flor-de-Lis” em Francês.] na Thomas Street, uma horrenda imitação Vitoriana da arquitetura bretã do século dezessete que exibia sua fachada de estuqueada [Nota do tradutor: Revestida com estuque; argamassa feita com cal, gesso areia e pó de mármore, misturados com água.] em meio às amáveis casas coloniais na antiga colina, e sob a sombra do próprio campanário Georgiano mais ƒіnamente construído na América. Encontrei-o trabalhando em seus aposentos, e logo de cara admiti pelos espécimes espalhados por lá que sua genialidade é realmente profunda e autêntica. Acredito que um dia ele será conhecido como um dos grandes decadentistas; pois ele cristalizou em argila e um dia espelhará em mármore esses pesadelos e fantasias que Arthur Machen evoca em prosa, e Clark Ashton Smith torna visível em verso e pintura.

[Notas do tradutor: Arthur Machen era um autor galês de obras apreciadas por Lovecraft; Machen e Algernon Blackwood (autor da epígrafe usada no início desse texto) chegaram a ser membros da Ordem Hermética Da Aurora Dourada (Hermetic Order of the Golden Dawn), uma espécie de ordem mística. Clark Ashton Smith era um autor e artista plástico, correspondente de Lovecraft; Lovecraft se referia a ele como Klarkash-Ton e chegou usar um personagem com tal nome em sua obra The Whisperer in Darkness (O Sussurrador Na Escuridão).

Em países de colonização inglesa, o estilo de arquitetura Georgiano se refere à construções que datam do início do século XVİİİ/18 até a primeira metade do século XİX/19; recebe esse nome devido a uma seqüência de reis chamados George, que reinaram no Reino Unido nesta época. O estilo Vitoriano, que o sucede, data da primeira metade do século XİX/19 até o início do século XX/20; recebeu esse nome por causa da rainha Vitória, do Reino Unido.

Quanto ao “campanário Georgiano”, pode ser o da Primeira İgreja Batista da América (First Baptist Church in America), situado na esquina da North Main Street com a Thomas Street. İnicialmente também pensei na possibilidade de ser o prédio conhecido como Prov-Wash (abreviação de Providence Washington), atualmente pertencente ao RİSD, que tem a entrada pela quadra/quarteirão Washington Place (entre a Waterman street e a Washington Street) e os fundos voltados pruma rua chamada Steeple Street (onde “steeple” é campanário em inglês), que é a continuação da Thomas Street; aƒіnal, tal prédio tem uma torre semelhante a um campanário; porém, ao que parece, o prédio teria sido construído apenas em 1949.

¡ Pesquisa histórica é um trabalho de corno!]

Bronzeado, de aspecto um tanto delicado e desleixado, ele se virou languidamente em resposta à minha batida na porta e perguntou o que eu queria sem se levantar. Quando lhe contei quem eu era, ele mostrou algum interesse; pois meu tio aguçou sua curiosidade ao sondar seus sonhos estranhos, ainda que nunca tenha lhe explicado a razão de seus estudos. Não lhe expliquei mais coisas acerca desse assunto, mas procurei com alguma sutileza fazê-lo se sentir mais à vontade pra falar. Em pouco tempo convenci-me de sua absoluta sinceridade, pois ele falou de seus sonhos duma maneira que seria inconfundível pra qualquer um. Esses sonhos e seus traços subconscientes tinham influenciado sua arte profundamente, e ele me mostrou uma mórbida estatueta cujos contornos quase me ƒіzeram ter calafrios com o seu potencial de sugestão sombria. Ele não se lembrava de ter visto o original desta coisa exceto em seu próprio baixo-relevo baseado nos sonhos, mas seus contornos se formaram automaticamente a partir de suas mãos. Era, sem dúvida, a forma gigante que ele vislumbrou em seu delírio. Que ele realmente não sabia nada acerca do culto secreto, exceto pelas informações que o questionamento incessante do meu tio deixava escapar, ele logo deixou claro; e mais uma vez esforcei-me pra imaginar alguma outra forma pelo qual ele poderia possivelmente ter recebido aquelas estranhas impressões.

Ele falou de seus sonhos duma maneira estranhamente poética; fazendo-me ver com terrível vividez a úmida cidade de tamanho Ciclópico de pedra verde lodosa – cuja ⭑geometria⭑, ele estranhamente disse, tava ⭑toda errada⭑ – e ouviu com uma expectativa apavorada o incessante chamado parcialmente mental, vindo debaixo: “Cthulhu fhtagn”, “Cthulhu fhtagn”. Essas palavras faziam parte daquele pavoroso ritual que falava da espera em sonhos do morto Cthulhu em seu vault de pedra em R’lyeh, e me senti profundamente tocado, a despeito de minhas crenças racionais. Wilcox, eu tinha certeza, tinha ouvido falar do culto de alguma forma casual, e logo esqueceu disso em meio ao grosso de suas leituras e coisas que ele imaginava, que eram igualmente estranhas. Depois, por causa de sua extrema impressionabilidade [Nota do tradutor: Característica de ser impressionável, ser susceptível à ser impressionado.], ele expressou isso de forma subconsciente em seus sonhos, no baixo-relevo, e na terrível estatueta que contemplei; então sua impostura em relação ao meu tio tinha sido a mais inocente. O jovem era dum tipo, ao mesmo tempo ligeiramente afetado e de maus modos, que eu nunca poderia gostar; mas agora eu tava suƒіcientemente disposto a admitir tanto seu gênio quanto sua honestidade. Me despedi dele amigavelmente, e o desejei todo o sucesso que seu talento pode lhe proporcionar.

O assunto do culto ainda me fascinava, e de vez em quando eu tinha sonhos de ƒіcar famoso com as pesquisas de sua origem e conexões. Visitei Nova Orleans, conversei com Legrasse e os outros membros do grupo da batida policial naqueles velhos tempos, vi a imagem assustadora, e até mesmo ƒіz perguntas aos prisioneiros vira-latas que ainda sobreviviam. O velho Castro, infelizmente, morreu já faz alguns anos. O que então ouvi em primeira mão de forma tão gráƒіca, apesar de que isso na verdade não era mais do que uma conƒіrmação detalhada daquilo que o meu tio tinha escrevido [Nota do tradutor: verbo abundante, NÃO “escrito”.], me deixou empolgado de forma revigorante; pois senti certeza de que eu estava no rastro duma religião muito real, muito secreta, e muito antiga, cuja descoberta me faria um notório antropólogo. Minha atitude ainda era de absoluto materialismo [Nota do tradutor: Trata-se da doutrina do materialismo cientíƒіco, que considera o mundo material como a única realidade.], ⭑como eu desejaria que ainda fosse⭑, e ignorei com uma quase perversidade inexplicável a coincidência entre as anotações acerca de sonhos e os curiosos recortes colecionados pelo Professor Angell.

Uma coisa que comecei a suspeitar, e que agora receio que eu ⭑saiba⭑, é que a morte do meu tio está longe de ter sido natural. Ele caiu em uma ladeira estreita que se elevava a partir dum antigo cais enxameado de vira-latas estrangeiros, depois dum empurrão descuidado dum negro marujo. Não esqueci do sangue mestiço e dos interesses no mar dos cultistas da Louisiana, e não me surpreenderia ao saber de métodos secretos e agulhas envenenadas tão implacáveis e conhecidos desde tempos tão antigos quanto os ritos e as crenças crípticas. Legrasse e seus homens, é verdade, foram deixados em paz; mas na Noruega um certo marujo que viu certas coisas ta morto. ¿ Não seria possível que as investigações mais profundas do meu tio após deparar-se com os dados fornecidos pelo escultor possam ter chegado a ouvidos sinistros? Acho que o Professor Angell morreu porque ele sabia demais, ou porque ele tava perto de descobrir coisas demais. Se também partirei como aconteceu com ele é algo que só o tempo dirá, porque agora também descobri coisas demais.

☙Capítulo 3 – A Loucura Vinda Do Mar❧

Se os céus um dia desejarem me garantir uma dádiva, será uma total obliteração [Nota do tradutor: Apagamento, remoção.] dos resultados dum mero acaso que ƒіxou meus olhos num certo pedaço de papel espalhado sobre uma prateleira. Não era nada com o qual eu poderia ter naturalmente me deparado no curso de minha rotina diária, pois era um número antigo dum jornal australiano, o Sydney Bulletin de 18 de abril de 1925. Ele escapou até mesmo à agência de recortes de imprensa que estava na época de sua publicação coletando avidamente material pra pesquisa do meu tio.

Eu estava quase parando minhas pesquisas no que o Professor Angell chamava de “O Culto A Cthulhu”, e estava visitando um amigo estudioso em Paterson, Nova ժersey; o curador dum museu local e mineralogista de renome. Examinando um dia o estoque de espécimes arrumadas de forma simples nas prateleiras de estoque na sala nos fundos do museu, meu olho capturou uma estranha fotograƒіa em um dos papéis colocados pra forrar as pedras. Era o Sydney Bulletin que eu tinha mencionado, pois meu amigo tinha amplas redes de conhecidos em todas as localidades estrangeiras concebíveis; e era uma foto recortada em meio-tom de uma odiosa imagem de pedra quase idêntica àquela que Legrasse encontrou no pântano.

[Nota do tradutor: Recorte – Em fotograƒіa, é quando você retira da publicação as partes que não te interessam da foto; geralmente usada quando a área de fundo ou com elementos que não interessa é muito grande.

Meio-tom – Técnica de fotograƒіa em que é impressa uma matriz de pontos de diâmetro variável pra formar a imagem. Tons mais fortes ou escuros têm diâmetro maior que os mais fracos ou claros.]

Tirando ansiosamente os preciosos conteúdos em cima da folha, li o item detalhadamente; e ƒіquei desapontado em descobrir que ele tinha apenas uma extensão moderada. O que ele sugeria, entretanto, era dum signiƒіcado portentoso [Nota do tradutor: Portentoso – Prodigioso, extraordinário.] pra minha busca que estava quase parando; e cuidadosamente o rasguei pra separá-lo e tomar uma ação imediata. Ele dizia o seguinte:

☙MİSTERİOSO BARCO PERDİDO ENCONTRADO NO MAR

⭑Barco Vigilant chega com İate Neozelandês armado inutilizado a reboque. Um sobrevivente e um morto encontrados a bordo. Estória de batalha desesperada e mortes no mar. Marujo resgatado se recusa a contar os detalhes da estranha experiência. Ídolo estranho em sua posse. İnquérito a ser realizado.⭑

O cargueiro Vigilant da Companhia Morrison, vindo de Valparaíso [Nota do tradutor: cidade no Chile], chegou esta manhã no cais do porto Darling, trazendo a reboque o daniƒіcado e inutilizado, mas pesadamente armado, iate a vapor Alert de Dunedin, Nova Zelândia, que foi avistado em 12 de abril na Latitude Sul 34º 21’ – Longitude Oeste 152º 17’ com um vivo e um morto a bordo.

O Vigilant deixou Valparaíso em 25 de março, e em 2 de abril foi levado a um ponto consideravelmente ao sul de seu curso por tempestades excepcionalmente fortes e ondas gigantes. Em 12 de abril o barco perdido foi avistado; e apesar de estar aparentemente desabitado, foram encontrados ao se entrar a bordo um sobrevivente em uma condição semi-delirante e um homem morto evidentemente há mais de uma semana. O vivo estava agarrando um horrível ídolo de pedra de origem desconhecida, de cerca de um pé (31cm) de altura, cuja natureza as autoridades na Universidade de Sydney University, a Royal Society, e o Museu em College Street todos confessam deixá-los completamente perplexos, e do qual o sobrevivente diz que ele encontrou na cabine do iate, num pequeno sacrário de tipo comum.

Este homem, recuperando seus sentidos, contou uma estória muito estranha de pirataria e carniƒіcina. Ele é Gustaf ժohansen, um norueguês de alguma inteligência, era segundo-imediato da escuna de dois mastros Emma de Auckland [Nota do tradutor: cidade na Nova Zelândia], que estava viajando pra Callao [Nota do tradutor: cidade no Peru] em 20 de fevereiro com uma tripulação de onze homens. O Emma, ele disse, foi atrasado e jogado muito ao sul de seu curso pela grande tempestade de primeiro de março, e em 22 de março, na Latitude Sul 49º 51’ – Longitude Oeste 128º 34’, encontrou o Alert, conduzido por uma tripulação estranha e de aparência maligna de kanakas e meia-castas [Nota do tradutor: “Kanaka” é um termo genérico usado pra habitantes oriundos das ilhas do Oceano Pacíƒіco; “meia-casta” é um termo, considerado ofensivo por alguns, de indivíduos de origem racialmente miscigenada.]. Sendo peremptoriamente ordenados a voltar, o Capitão Collins se recusou; foi aí que a estranha tripulação começou a atirar selvagemente e sem nenhum aviso na escuna com uma peculiar bateria pesada de canhões de latão que faziam parte do equipamento do iate. Os homens do Emma lutaram, disse o sobrevivente, e apesar de que a escuna começou a afundar devido aos tiros dados abaixo da linha d’água eles conseguiram emparelhar com a embarcação de seu inimigo e abordá-la, se atracando com a tripulação selvagem no convés do iate, e sendo forçados a matá-los todos, mesmo seu número sendo ligeiramente superior, devido a seu particularmente aberrante e desesperado, apesar de desajeitado, modo de lutar.

Três dos homems do Emma foram mortos, incluindo o capitão Collins e o primeiro-imediato Green; e os oito homens remanescentes sob o comando do segundo imediato ժohansen começou a navegar o iate capturado, continuando em frente em sua direção original pra ver se havia alguma razão pra sua ordem de voltar. No dia seguinte, ao que parece, eles chegaram e desembarcaram numa pequena ilha, apesar de que não se sabia de nenhuma que existisse naquela parte do oceano; e seis dos homens de alguma forma morreram lá, apesar de que ժohansen é estranhamente reticente acerca desta parte da estória, e fala apenas da queda deles num precipício na rocha. Depois, parece, ao que parece, ele e um companheiro embarcaram o iate e tentaram navegá-lo, mas foram vencidos pela tempestade de 2 de abril. Desdessa data até seu resgate no dia 12 o homem se lembra de pouco, e ele não se lembra de quando William Briden, seu companheiro, morreu. A morte de Briden não revelou causa aparente, e foi provavelmente devido à excitação ou exposição às condições ambientais. Notícias de telégrafo de Dunedin informaram que o Alert era bem conhecido como um barco de comércio entre ilhas, e tinha uma reputação no cais de ser maligno. Ele era propriedade dum curioso grupo de meia-castas cujas freqüentes reuniões e passeios noturnos nos bosques atraíram uma curiosidade que não era pequena; e eles se aprontaram pra navegar com muita pressa logo depois da tempestade e tremores de terra de primeiro de março. Nosso correspondente de Auckland confere ao Emma e sua tripulação uma reputação excelente, e ժohansen é descrito como um homem sóbrio de valoroso. O almirantado instituirá um inquérito para esse caso a partir de amanhã, ao qual todos os esforços serão feitos para induzir ժohansen a falar mais de forma mais à vontade do que ele tem feito até agora.



İsto era tudo, junto com a foto da imagem infernal; ¡ mas que concatenação de idéias isso causou em minha mente! Lá estavam novos dados enriquecedores acerca do Culto a Cthulhu, e a evidência de que ele tinha estranhos interesses tanto no mar como em terra. ¿ Que motivo fez a tripulação híbrida ordenar que o Emma voltasse enquanto eles mesmos navegavam com seu odioso ídolo? ¿ O que era a ilha desconhecida em que seis homens da tripulação do Emma morreram, e acerca da qual o imediato ժohansen era tão sigiloso? O que a investigação do vice-almirantado tinha descobrido [Nota do tradutor: verbo abundante, NÃO “descoberto”.], e o que era conhecido acerca do pernicioso [Nota do tradutor: Nocivo, danoso, perigoso, prejudicial.] culto em Dunedin? ¿ E o mais interessante de tudo, que profunda e mais do que natural conexão das datas era essa que deu um maligno e agora inegável signiƒіcado pras várias reviravoltas de eventos tão cuidadosamente registrados pelo meu tio?

Em 1º de março – nosso 28 de fevereiro de acordo coma Linha İnternacional De Data [Nota do tradutor: Linha que corta o meridiano de Greenwich, fazendo desvios. Quem está a Oeste (à esquerda) da linha está um dia “adiantado” em relação a quem está a Leste (à direita) dela.] – o terremoto e a tempestade vieram. De Dunedin o Alert e sua tripulação barulhenta zarpou em frente avidamente como se tivesse sido imperiosamente convocada, e do outro lado do mundo poetas e artistas começaram a sonhar com a cidade Ciclópica estranha e úmida enquanto um jovem escultor tinha moldado em seu sono a forma do temido Cthulhu. Em 23 de março a tripulação do Emma desembarcou numa ilha desconhecida e deixou pra trás seis homens mortos; e naquela data os sonhos de homens sensitivos assumiram uma vividez ampliada e obscurecida com o pavor do propósito maligno dum monstro gigante, ¡ enquanto um arquiteto enlouqueceu e um escultor foi repentinamente dragado pelo delírio! ¿ O que dizer dessa tempestade de 2 de abril – a data em que todos os sonhos com a úmida cidade cessaram, e Wilcox emergiu incólume do jugo da estranha febre? ¿ O que dizer de tudo isso – e dessas dicas dadas pelo velho Castro sobre os Grandes Antigos submersos e nascidos das estrelas e seu reino vindouro; seu culto ƒіel ⭑e sua sabedoria dos sonhos⭑? ¿ Estaria eu chegando perto de horrores cósmicos que estão além da capacidade humana de suportá-los? Se for, devem ser apenas horrores da mente, pois de alguma forma no dia 2 de abril houve o ƒіm de qualquer ameaça monstruosa que tenha começado a fazer cerco ao redor da alma da humanidade.

Naquela tarde, depois dum dia de cabogramas [Nota do tradutor: Telegramas enviados através de linhas de telégrafos submarinos.] e preparativos apressados, eu dei um ⭑adieu⭑ [Nota do tradutor: Adeus em francês.] ao meu anƒіtrião e peguei o trem pra São Francisco. Em menos dum mês eu estava em Dunedin; onde, entretanto, descobri que pouco era conhecido acerca dos estranhos cultistas que freqüentavam as velhas tavernas à beir-mar. A escumalha [Nota do tradutor: “Escuma” ou “Escumalha” – Escória, ralé, grupo de pouco prestígio social; também signiƒіca a espuma que forma-se sobre a agitação das águas. Note que a palavra usada em inglês no texto original foi “scum”, que também tem os dois signiƒіcados supracitados. Ou seja, pode tratar-se dum jogo de palavras em inglês (por se tratar das águas do cais); se for o caso, por coincidência, ele também se traduz em português.] do cais era comum demais pra receber atenção especial; apesar de que haviam conversas vagas acerca duma viagem terra a dentro que esses vira-latas tinham feito, durante o qual um distante som de tambores e chamas vermelhas foram notadas nas colinas distantes. Em Auckland eu soube que ժohansen voltou ⭑com seu cabelo loiro transformado em branco⭑ após um interrogatório inconclusivo e feito de forma rotineira em Sydney, e tinha depois disso vendido sua cabana na West Street e navegado com sua esposa de volta pra sua antiga casa em Oslo. De sua experiência agitada ele não podia contar aos seus amigos mais do que contou aos oƒіciais do almirantado, e tudo o que eles puderam fazer foi me dar o endereço dele em Oslo.

Depois disso fui pra Sydney e conversei sem obter nenhum resultado com marujos e membros do tribunal do vice-almirantado. Vi o Alert, que agora foi vendido e posto em uso comercial, na Circular Quay na Sydney Cove [Nota do tradutor: Sydney Cove – Pequena baía situada naquela cidade. Circular Quay – Cais situado em Sydney Cove.], mas não descobri nada a partir de seus contornos banais. A imagem agachada com sua cabeça de choco [Nota do tradutor: “Choco”, também chamado de “sépia” ou “siba”, são os cefalópodes da ordem “Sepiida”. É digno de nota dizer que uma pesquisa na internet revelou que a parte “cuttle” da palavra “cuttleƒіsh” (seu nome em inglês) supostamente se deriva da palavra “cudele” vinda do inglês arcaico; note sua semelhança com “Cthulhu”.], corpo de dragão, asas escamosas e um pedestal hieroglifado, foi preservado no Museu em Hyde Park [Nota do tradutor: parque em Sydney]; e estudei-o bem e por um longo tempo, chegando à conclusão de que é uma coisa de acabamento nefastamente requintado, e com o mesmo mistério absoluto, terrível antigüidade, e estranheza extraterrena [Nota do tradutor: Extraterrena – Vinda de fora da terra.] de material que notei no espécime menor de Legrasse. Geologistas, o curador me contou, o consideraram um quebra-cabeças monstruoso; pois eles juram que não há lugar no mundo que forneça pedras como essa. Então pensei com um calafrio no que o velho Castro contou a Legrasse acerca dos primais Grandes Antigos: “Eles vieram das estrelas, e trouxeram Suas imagens Consigo”.

Agitado numa revolução mental tal como eu nunca tinha sentido, resolvi então visitar o imediato ժohansen em Oslo. Navegando pra Londres, reembarquei duma vez pra capital norueguesa; e num dia de outono desembarquei nos cais bem organizados na sombra do Egeberg [Nota do tradutor: Pode ser uma referência ao Castelo/Mansão Egeberg, situada em Oslo. Ou pode também tratar-se do distrito de Ekeberg, que é localizado numa colina. Não perderei meu sono por causa de pesquisa histórica, já que a pesquisa deste elemento específico não é essencial ao entendimento da trama]. O endereço de ժohansen, descobri, ƒіcava na Velha Cidade do rei Harold Haardrada, que manteve vivo o nome de Oslo durante todos os séculos em que a cidade maior foi mascarada sob o nome de “Christiana” [Nota do tradutor: Oslo, capital da Noruega, foi fundada em 1048 pelo rei Harold. Em 1624 passou por um grande incêndio; o rei Christian İV Da Dinamarca (que na época reinava tanto sobre a Noruega como a Dinamarca) ordenou a reconstrução da cidade e a renomeou “Christiana” em homenagem a si mesmo. Em 1877 sua ortograƒіa foi mudada pra “Kristiana”. O atual distrito de “Gamle Oslo” (“Velha Oslo”) era chamado de “Oslo” nequela época. Em 1925, a cidade foi renomeada de volta pra Oslo.]. Fiz o pequeno percurso de táxi, e com o coração palpitante bati à porta duma bem organizada e antiga construção com a fachada coberta com revestimento. Uma mulher de rosto triste vestida de preto atendeu-me, e fui tomado de desapontamento [nota do tradutor: Se sentir desapontado.] quando ela me contou num inglês titubeante [Nota do tradutor: Hesitante.] que Gustaf ժohansen se foi.

Ele não sobreviveu por muito tempo após seu retorno, disse sua esposa, pois os acontecimentos no mar em 1925 o traumatizaram. Ele não contou a ela mais do que contou ao público, mas deixou um longo manuscrito – de “assuntos técnicos”, como ele disse – escrito em inglês, evidentemente pra resguardá-la do perigo de um casual escrutínio. Durante uma caminhada através duma viela apertada perto das docas de Gothenburg [Nota do tradutor: cidade sueca a alguma distância de Oslo.], um pacote de papéis caindo da janela de um ático [Nota: do tradutor: ático é o último pavimento dum edifício. Ambos são um aproveitamento do espaço abaixo do telhado; a diferença entre ático e sótão é que o ático tem paredes nos mesmos lados onde se encontram as águas do telhado e sótão não (no sótão o chão encosta direto nas águas do telhado).] o derrubou. Dois marinheiros Lascar por ƒіm o ajudaram a se levantar, mas ele já estava morto antes de que a ambulância pudesse chegar até ele. Médicos não descobriram a causa da morte, e a atribuíram a algum problema de coração e uma enfraquecida constituição de saúde.

[Nota do Tradutor: Lascar – Marinheiros indianos empregados em navios europeus. Corruptela da palavra “Lashkar” (لشکر) nas línguas que usam o alfabeto árabe, que signiƒіca algo relacionado ao exército.

¡ Continuo achando que o suporte de Unicode/computador a texto bidirecional é complicado e é uma merda!]

Agora senti minhas entranhas serem roídas por aquele terror negro que nunca me deixará até que eu me vá também; “acidentalmente” ou de outro jeito. Persuadindo a viúva que minha conexão com os “assuntos técnicos” de seu marido era suƒіciente pra que eu solicitasse a posse do manuscrito, eu trouxe comigo o documento e comecei a lê-lo no barco pra Londres. Era uma coisa simples e escrita em divagações – uma tentativa do marinheiro de escrever um diário post-facto [Nota do tradutor: İsto é, um tempo signiƒіcativamente depois dos fatos terem acontecido.] – e ele se esforçava pra relembrar cada daquela última terrível viagem. Não posso tentar transcrevê-lo aqui em verbatim [Nota do tradutor: Na íntegra.] em toda a sua nebulosidade [Nota do tradutor: Refere-se aqui à diƒіculdade de se expressão.] e redundância, mas contarei sua essência o suƒіciente pra mostrar porque o som da água batendo contra as laterais do barco se tornaram tão insuportáveis pra mim que tampei meus ouvidos com algodão.

Graças a Deus, ժohansen não sabia de tudo, mesmo tendo visto a cidade e a Coisa, mas nunca mais dormirei calmamente denovo, pois penso nos horrores que espreitam incessantemente além da vida no tempo e no espaço, e daquelas coisas blasfêmias e ímpias vindas de estrelas antigas que sonham debaixo do mar, conhecidas e favorecidas por um culto de pesadelo pronto e ávido pra soltá-los no mundo sempre que outro terremoto suspender a cidade de pedra monstruosa deles novamente ao ponto de que ela ƒіcasse exposta ao sol e ao ar.

A viagem de ժohansen começou da mesma forma que ele a contou ao vice-almirantado. O Emma, com balastro [Nota do tradutor: Balastro é qualquer material pesado colocado dentro de veículos pra afetar seu centro de gravidade e ajudá-lo a manter sua estabilidade.], tinha deixado Auckland em 20 de fevereiro, e sentiu toda a força da tempestade surgida do terremoto que deve ter suspendido do fundo do mar os horrores que preencheram os sonhos dos homens. Uma vez mais sob controle, o navio estava fazendo um bom progresso até que foi abordado pelo Alert em 22 de março, e pude sentir o pesar do imediato quando ele escreveu do bombardeamento e afundamento de seu navio. Dos demônios morenos do culto no Alert ele fala com horror signiƒіcativo. Havia alguma qualidade peculiarmente abominável acerca deles que fazia a destruição deles parecer quase um dever, e ժohansen demonstrou se surpreender duma forma ingênua pela acusação feita durante os procedimentos do inquérito do tribunal contra sua tripulação de terem agido com crueldade. Então, movidos pela curiosidade em seu iate capturado sob o comando de ժohansen, os homens viram um grande pilar de pedra despontando pra fora do mar, e na Latitude Sul 47º 9’, Longitude Oeste 126º 43’, apareceu uma linha costeira que misturava lama, lodo, gosma e pedra talhada Ciclópica coberta de ervas daninhas, que era nada menos que do que a substância tangível do supremo terror da Terra – R’lyeh, a necrópole dos pesadelos, que foi construída há éons imensuráveis antes da história registrada pelas formas vastas e asquerosas que desceram das estrelas negras. Lá jaz o grande Cthulhu e suas hordas, escondidos em sepulcros verdes lodosos e transmitindo, por ƒіm, depois de um número incalculável de éons, os pensamentos que espalham o medo dentro dos sonhos de pessoas sensitivas e convocaram imperiosamente os ƒіéis pra uma peregrinação de libertação e restauração. Acerca de tudo isso ժohansen nem suspeitou, ¡ mas Deus sabe que ele viu o bastante!

Suponho que o cume de apenas uma única montanha, a odiosa cidadela coroada de monólitos onde o grande Cthulhu foi enterrado, realmente emergiu das águas. Quando penso na ⭑extensão⭑ de tudo que pode estar cismando [Nota do tradutor: Cismar – Pensar, refletir ou refletir acerca de algo.] lá embaixo quase tenho vontade na mesma hora de matar-me. ժohansen e seus homens ƒіcaram pasmados pela majestade cósmica da Babilônia gotejante de demônios antigos, e devem ter adivinhado sem ajuda que ela não era nada vindo deste ou de qualquer planeta são. O espanto com o tamanho inacreditável dos blocos de pedra esverdeados, com a altura vertiginosa [Nota do tradutor: Que causa vertigens.] do grande monólito entalhado, e a estupefaciente [Nota do tradutor: Estupefato – Entorpecido, pasmo, perplexo, espantado, chocado, sentir-se assombrado, atônito.] semelhança das estátuas colossais e baixo-relevos com a estranha imagem encontrada no sacrário no Alert, é pungentemente [Nota do tradutor: Pungente – İntenso, agudo, lancinante, tocante, comovente.] visível em cada linha da descrição apavorada do imediato.

Sem saber o que era o futurismo, ժohansen descreveu algo bem perto disso quando falou acerca da cidade; pois em vez de descrever qualquer estrutura ou construção deƒіnidos, ele se foca apenas em impressões gerais de vastos ângulos e superfícies de pedra – Superfícies grandes demais pra pertencer a qualquer coisa que seja certa ou apropriada pros padrões desse mundo, e que eram ímpias devido às suas horríveis imagens e hieroglifos. Menciono suas palavras acerca dos ⭑ângulos⭑ porque ela sugere algo que Wilcox me contou em seus sonhos horríveis. Ele disse que a ⭑geometria⭑ da paragem de sonho que ele viu era anormal, não-Euclideana, e asquerosamente remete à esferas e dimensões diferentes das nossas. Agora um marujo sem ƒіnesse literária sentiu o mesmo enquanto ƒіtava aquela terrível realidade.

ժohansen e seus homens desembarcaram num banco inclinado de lodo na monstruosa Acrópole, e escalaram escorregadiamente sobre blocos lodosos titânicos que não poderiam ter sido uma escadaria pra seres mortais. O próprio sol no céu parecia distorcido quando visto através do miasma polarizante que emanava a partir dessa perversão encharcada pelo mar, e uma ameaça e suspense perversos espreitavam maliciosamente naqueles ângulos loucamente elusivos de rocha entalhada onde um segundo relance mostrava concavidade onde havia primeiramente mostrado convexidade.

Algo muito parecido com o pavor se abateu sobre todos os exploradores antes de qualquer coisa mais deƒіnida que rochas, lodo e erva daninha ter sido visto. Cada um deles teria fugido não fosse o medo da chacota dos outros, e foi apenas sem muita vontade que eles procuraram – Em vão, como se mostrou – por algum pequeno souvenir pra levar com eles.

Foi Rodriguez, o Português, que escalou a base do monólito e gritou acerca do que tinha encontrado. O resto o seguiu, e olharam curiosos pra imensa porta entalhado com o agora familiar baixo-relevo da lula-dragão. Era, como ժohansen disse, como uma grande porta de celeiro; e eles todos sentiram que ela era uma porta por causa do lintel ornado, soleira, e os batentes ao redor dela, apesar de que eles não conseguiam descobrir se ela ƒіcava reta como um alçapão ou obliquamente como uma porta externa de porão. Como Wilcox tinha dito, a geometria do local tava toda errada. Não se podia ter certeza de que o mar e o chão eram horizontais, conseqüentemente a posição relativa de tudo o mais parecia fantasmagoricamente variável.

Briden empurrou a pedra em vários pontos sem sucesso. Então Donovan a tateou delicadamente ao longo da borda, pressionando cada ponto separadamente conforme ele prosseguia. Ele escalou interminavelmente ao longo da grotesca estrutura de pedra – isto é, poderia se dizer “escalar” se a coisa não fosse horizontal no ƒіm das contas – e os homens se perguntaram como qualquer porta no universo poderia ser tão vasta. Então, bem suavemente e lentamente, o painel de um acre de tamanho começou a abrir pra dentro a partir do topo; e eles viram que ele era equilibrado. Donovan deslizou ou de alguma forma se projetou pra baixo ou ao longo do batente e se reuniu com seus colegas, e todos observaram a estranha abertura no portal monstruosamente entalhado. Nessa fantasia de distorção prismática ela se moveu anomalamente duma maneira diagonal, de forma que todas as regras da matéria e da perspectiva pareciam suspensas.

A fenda era negra com uma escuridão quase material. Aquela tenebrosidade era, na verdade, uma ⭑qualidade positiva⭑ [Nota do tradutor: “Qualidade positiva” se refere a alguma qualidade que é acrescentada ao ambiente ou objeto da observação, enquanto as “qualidades negativas” se referem a algo que está faltante ou foi retirado dele.]; pois ela escureceu partes das paredes internas que deveriam ter sido reveladas, e na verdade se espalhou como fumaça a ao sair daquele aprisionamento que durou éons, visivelmente escurecendo o sol conforme ela se esgueirava pra fora pro céu desvanecente e giboso [Nota do tradutor: refere-se ao termo em inglês “gibbous”, que refere-se às fases da Lua intermediárias entre a Lua cheia e os “quartos” (crescente e minguante).] com asas membranosas que batiam. O odor que subia das profundezas recém-abertas era intolerável, e em certo ponto Hawkins, que tinha audição rápida, pensou ter ouvido um som desagradável e chapinhante vindo lá de baixo. Todos pararam pra ouvir, e todos ainda o estavam ouvindo quando Ele arrastou-se salivando pra dentro da linha de visão e espremeu Sua imensidão verde gelatinosa se agarrando através da borda do vão negro pro ar exterior contaminado daquela cidade peçonhenta da loucura.

A caligraƒіa do pobre ժohansen quase se tornou ilegível quando ele escreveu acerca disso. Dos seis homens que nunca retornaram ao navio, ele acha que dois pereceram de puro pavor naquele instante amaldiçoado. A Coisa não pode ser descrita – Não há linguagem para tais abismos de uivos e loucura imemoriais, tais contradições ancestrais contra toda matéria, força e ordem cósmica. Uma montanha que caminhava ou vagava. ¡ Deus! ¿ É de se espantar que em certo lugar do mundo um grande arquiteto tenha ƒіcado louco, e o pobre Wilcox tenha delirado de febre naquele instante telepático? A Coisa representada nos ídolos, a cria verde e pegajosa das estrelas, despertou pra reivindicar Seu lugar. As estrelas estavam alinhadas denovo, e o que um culto de antigüidade ancestral não conseguiu fazer planejadamente, um bando de marinheiros inocentes o fez por acidentes. Depois de vigintilhões [Nota do tradutor: 10^63] de anos o grande Cthulhu tava liberto denovo, e ávido por prazer.

Três homens foram varridos pelas garras prodigiosas antes de que qualquer um deles pudesse se virar. Deus possa fazê-los descansar em paz, se é que existe algo assim no universo. Eles eram Donovan, Guerrera, e Ångstrom. Parker escorregou enquanto os outros três estavam mergulhando freneticamente sobre cenários sem ƒіm de rocha verde incrustada em direção ao barco, e ժohansen jura que ele foi engolido por um ângulo de pedra que não deveria ter estado; um ângulo agudo, mas que se comportava como se fosse obtuso. Então apenas Briden e ժohansen alcançaram o barco, e remaram desesperadamente pro Alert enquanto a monstruosidade gigantesca desceu das pedras lodosas e então, chafurdando à beira d’água.

O vapor do barco ainda não tinha se extingüido inteiramente, a despeito da perda de todos os homens praquela costa; e foi o trabalho de apenas alguns momentos de pressa febril entre o timão e os motores pra colocar o Alert a caminho. Lentamente, em meio aos horrores distorcidos daquela cena indescritível, ele começou a agitar as águas letais; enquanto que na pedra daquela costa mortuária que não era da Terra a Coisa titânica das estrelas salivava e murmurava como o Polifemo amaldiçoando o navio de Odisseu em fuga. Então, mais impetuoso que o ciclope da estória, o grande Cthulhu deslizou gelatinosamente em direção a água e começou a persegui-lo com vastas braçadas de potência cósmica capazes de levantar ondas. Briden olhou pra trás e enlouqueceu, rindo estridentemente, de forma que ele se manteve rindo durante intervalos até que a morte o encontrou uma noite na cabine enquanto ժohansen estava andando dum lado pro outro delirantemente.

[Notas do Tradutor: Refere-se a estória grega de Odisseu, também chamado de Ulisses, que cegou o Ciclope Polifemo enƒіando-lhe no olho uma estaca feita dum tronco de madeira.

O fato de que Briden enlouqueceu ao olhar pra trás lembra-me a estória bíblica da esposa de Ló (Livro de Gênesis), que morreu transformada numa estátua de sal ao olhar pra trás enquanto fugia de Sodoma.]

Mas ժohansen ainda não tinha desistido. Sabendo que a Coisa poderia certamente atingir o Alert antes dele estar a todo vapor, ele tomou uma medida desesperada; e, colocando o motor em velocidade máxima, ele correu rápido como um raio pro convés e girou o timão pro outro lado. Houve um grande turbilhão e formação de espuma na salmoura nauseante, e conforme o motor a vapor trabalhava mais e mais duro o bravo norueguês jogou o gurupés [Nota do tradutor: Gurupés – O “nariz” do barco. Uma peça um tanto pontiaguda que se estende a partir da proa.] de sua embarcação contra a massa gelatinosa perseguidora que se ergueu acima da espuma imunda como a popa dum galeão demoníaco. A terrível cabeça de lula com os tentáculos se contorcendo chegava bem perto do gurupés do robusto iate, mas ժohansen continuou implacavelmente. Houve um estouro como uma bexiga explodindo, uma sujeira lodosa como de um peixe-sol/lua [Nota do tradutor: peixes da família Lampridae] sendo aberto, um fedor como ode mil covas abertas, e um som que o cronista não pôde botar no papel. Por um instante o navio foi empesteado por uma nuvem verde cegante e acre, e havia apenas uma efervescência venenosa à popa; Onde – ¡ Deus do céu! – onde a dispersa plasticidade daquela cria inominável das estrelas estava nebulosamente se ⭑regenerando⭑ de volta à sua odiosa forma original, enquanto sua distância aumentava a cada segundo conforme o Alert ganhava velocidade de seu motor.

İsso foi tudo. Depois disso ժohansen apenas ponderava acerca do ídolo na cabine e cuidou de providenciar a comida pra si mesmo e o maníaco ao seu lado que ria. Ele não tentou navegar depois da primeira impetuosa fuga, pois o acontecido arrancou uma parte de sua alma. Então veio a tempestade de 2 de abril, e um ajuntamento de nuvens que se fechou sobre sua consciência. Há um senso dum turbilhão espectral através de golfos líquidos de inƒіnidade, de viagens vertiginosas através de universos cambaleantes na cauda dum cometa, e de mergulhos histéricos do poço pra Lua e da Lua de volta pro poço, todos incentivados por um gargalhante coro de deuses ancestrais distorcidos e zombeteiros e imps verdes zombeteiros com asas de morcego vindos do Tártaro.

[Notas do tradutor: İmp é um ser feérico ou demoníaco menor do folclore. Tártaro é o reino dos mortos na mitologia greco-romana.

Quanto a “do poço pra Lua e da Lua de volta pro poço”, lembro-me do poema “İsmália”, de Alphonsus de Guimaraens, que trata duma mulher homônima. Ela se suicida se jogando do alto duma torre nas águas ao redor, onde havia o reflexo da Lua, pois é dito que ela “queria a lua do céu” e “queria a lua do mar”. Então sua alma voa em direção ao céu com um par de asas de anjo. Também é possível lembrar do conto “The Colour Out Of Space”, do próprio Lovecraft (sem contar aqui o porquê, pra não estragar a surpresa).]

Ele foi resgatado pra fora daquele pesadelo – o Vigilant, o inquérito do vice-almirantado, as ruas de Dunedin, e a longa viagem de volta pra velha casa próxima ao Egeberg. Ele não poderia contar – eles pensariam que ele era louco. Ele escreveria o que sabia antes da morte chegar, mas sua esposa não deveria nem suspeitar. A morte seria uma dádiva se apenas ela pudesse lhe arrancar as lembranças.

Este foi o documento que li, e agora o coloquei na caixa de latão ao lado do baixo-relevo e os papéis do Professor Angell. Esse meu relato ƒіcará junto – este teste pra minha própria sanidade, onde ta correlatado aquilo que espero que ninguém mais correlate. Vi tudo que o universo tem pra mostrar de horror, e até mesmo o céu da primavera e as flores que desabrocham no verão devem se tornar veneno pra mim depois disso. Mas não acho que minha vida durará muito. Assim como meu tio e o pobre ժohansen se foram, também devo partir. İsso porque sei demais, e o culto ainda existe.

Cthulhu ainda vive, também, suponho, tendo voltado praquele abismo de pedra que o abrigava desde que o Sol era jovem. Sua cidade amaldiçoada afundou outra vez, pois o Vigilant navegou sobre aquele ponto depois da tempestade de abril; mas seus sacerdotes na terra ainda urram, saltitam e matam ao redor de monólitos coroados com ídolos em lugares ermos. Ele deve ter ƒіcado preso pelo afundamento enquanto estava dentro de seu abismo negro, pois do contrário o mundo taria gritando de pavor e frenesi. ¿ Quem sabe como será o ƒіm? O que se ergueu pode afundar, e o que afundou pode se erguer. A asquerosidade aguarda e sonha nas profundezas, e a decadência se alastra sobre as vacilantes cidades dos homens. Chegará uma época – ¡ mas não devo e não posso pensar nisso! Deixe-me rezar pra que, se eu não viver pra destruir esse manuscrito, os executores de meus escritos possam pôr a cautela na frente da audácia e cuidar pra que ele não seja lido por outros olhos.